Na rede

quinta-feira, agosto 04, 2016

Beijing ou Silicon Valley?

"Qual o sentido de se promover a inovação, se o resultado não é a construção de uma sociedade melhor?"
Um jovem empresário sueco é quem faz a pergunta, e conta sobre sua frustração com São Francisco e o Vale do Silício, e sua paixão por Beijing:
Assim como muitos jovens empresários, eu idolatrava Silicon Valley como uma visão utópica promovida por um grupo de experts em tecnologia, idealistas e bem-intencionados, que constroem as bases para uma sociedade justa e democrática. Entretanto, ao invés disso encontrei vaidade, mesquinhez e ganância.

Silicon Valley foi fortemente subsidiada para tornar-se um hub de inovação, e hoje é um lugar caro, mas muito bem financiado e com foco na execução de negócios de tecnologia. Não há nada de intrinsecamente errado com isso - boa tecnologia merece boa execução, e os investidores merecem ganhar dinheiro - mas é difícil não sonhar com o que poderia ter sido. E se Silicon Valley parasse de empregar algumas das maiores mentes do mundo para nos fazer clicar em anúncios, e em vez disso atendesse o chamado a desafios de ordem superior?

Eu me apaixonei por Beijing ainda no táxi do aeroporto. Pequim é uma mistura insana de história e futurismo... Não estou de nenhuma maneira afirmando que a China é uma sociedade mais justa do que os Estados Unidos, ou mais tecnologicamente avançada - está apenas se movendo claramente mais rápido. Mas você tem a imediata impressão de que em Beijing, a cidade está dedicada à arte de governar e ao futuro do seu povo, em vez do mais recente e revolucionário gadget. 

A Swede Returns to Silicon Valley from China - Nils Pihl
Para completar o clima de rivalidade do dia, o NYTimes traz matéria de Paul Mozur afirmando que a "China, e não Silicon Valley, está na ponta do desenvolvimento em tecnologias móveis". A mudança sugere que a China poderia ter uma maior influência nos rumos da indústria de tecnologia global. Hoje, mais pessoas usam dispositivos móveis para pagar suas contas, solicitar serviços, assistir a vídeos e encontrar datas na China do que em qualquer outro lugar do mundo. Os pagamentos móveis no país no ano passado superaram os EUA. Por outro lado, uma nova geração de bancos on-line informais chamados 'empréstimos P2P' opera volumes significativos.
Um aspecto a se destacar é que muitos chineses nunca compraram um computador pessoal, ou seja, smartphones são o principal - e muitas vezes o primeiro - dispositivo de computação para mais de 600 milhões de pessoas na China. Nos EUA, o cartão de crédito e o computador pessoal são tecnologias muito estabelecidas, que atrasam o salto mais completo para o mundo móvel dos smartphones.
Entretanto, o que o jovem sueco percebeu em Silicon Valley já vem sendo apontado por cidadãos norte-americanos: a indústria da tecnologia é moral e eticamente falida, e traz prejuízos concretos para os cidadãos comuns. Mesmo os líderes mais inspirados (e copiados, como Steve Jobs) internalizaram uma visão de mundo que coloca o sucesso e os lucros acima dos valores humanos.
...para muitos produtos do Vale do Silício, incluindo serviços como Uber e AirBnB, o objetivo agora é construir produtos capazes de surfar o hype global e alcançar avaliações multi-bilionárias - de preferência conquistando o máximo de mercado quanto possível, e, em seguida, usar essa posição para desenvolver práticas normalmente reservadas a monopólios e monopsônios (mercados onde há apenas um comprador).
O levante dos tecno-libertários: os 5 aspectos mais socialmente destrutivos do Vale do Silício - Richard Eskow
É possível que no futuro próximo Beijing (#BeiArea) copie Silicon Valley tão perfeitamente, que lá também os produtos de tecnologia tornem-se meros subprodutos de esquemas inovadores para se ganhar mais dinheiro, ao invés de ter um fim em si mesmos. Mas neste momento vale à pena observar se o modelo Chinês consegue se aproximar mais dos aspectos humanos que nos cabe defender no âmbito da ecologia digital.

terça-feira, agosto 02, 2016

Aos que choram pelo Yahoo!

Doc nos lembra que as principais vítimas da implosão do Yahoo, seus usuários, não merecem qualquer atenção da mídia especializada. Toda ênfase é colocada na venda para a Verizon, gigante telecom dos EUA, por US$ 4,8 bilhões, ou no que restou -- US$ 41 bilhões em participação na chinesa AliBaba, no Yahoo Japan e em um pequeno portfólio de patentes.
O subtítulo da matéria de Maya Kosoff na Vanity Fair, "Não chore pelo Yahoo", é indicativo: "Quando grandes empresas de tecnologia falham, têm apenas a si mesmas para culpar". A abordagem pressupõe que a única coisa que interessa no caso Yahoo para o público é a própria empresa, e Marissa Mayer, 'celebridade ex-Google' e CEO fatal da empresa. Ignora-se os milhões de usuários e clientes pagantes que confiaram em Yahoo para o seu e-mail, seus grupos, suas listas, suas fotos.
Como usuário do Flickr, estou mobilizado. Trata-se de serviço que teria considerável valor de mercado como uma empresa ou serviço autônomo, se o Yahoo não tivesse insistido em se livrar de namespace do Flickr para cada membro, substituindo pelo login Yahoo. 
Doc sintetiza apontando um fato que vem passando desapercebido na mídia: nenhuma empresa é mais importante do que o que ele faz para seus usuários e clientes. E de fato, não há quase nada na cobertura da crise do Yahoo a explorar essa dimensão óbvia -- aquilo pelo qual realmente devemos chorar em toda esta tragédia do Yahoo.
A matéria de David Gelles no NYTimes, "Yahoo e o Universo Online conforme a Verizon", traz outro subtítulo revelador: "Ao comprar o Yahoo, a Verizon está se preparando para o dia em que seus clientes mais importantes serão os anunciantes, e não os usuários". Gelles demonstra que o objetivo da compra é competir com Google e Facebook em publicidade digital, através do compartilhamento de dados sobre os seus clientes online com os anunciantes.
Em tempo: A falência do Flickr / Yahoo nos lembra o quanto estamos defasados em termos de uma política pública para a memória digital. São muitos os casos de instituições de memória que utilizam o Flickr para divulgar suas coleções de imagens, e vou mencionar aqui apenas dois ícones: a British Library (1.023.714 imagens) e a Nasa (com suas inúmeras contas). Entretanto, com tamanho risco colocado ao nosso direito à memória pelo atual cenário das plataformas digitais corporativas, políticas digitais de cultura não são do interesse do governo interino.
Linkania:



Uber desiste da China (!!!)

Apesar da intensa concorrência local, o mercado chinês era dos maiores para o Uber no número total de corridas. A operação chinesa era projeto pessoal do co-fundador Travis Kalanick, que viajava regularmente para o país e fazia discursos onde figurava jargão dos funcionários do Partido Comunista Chinês. Seu interesse foi reforçado por milhares de milhões de dólares em investimentos.
Mas na segunda-feira, o Uber, conhecido mundialmente por atos de competição impiedosa, acenou a bandeira branca. Em um forte sinal do quão difícil é para as empresas de tecnologia americanas prosperar na China, o Uber China anuncia a venda para a Didi Chuxing, seu rival local mais feroz.
Com o negócio, a empresa vai se juntar às fileiras de pares americanos, como Google e eBay, que foram incapazes de consolidar presença na China apesar dos investimentos e do foco aplicados. O EBay foi atropelado pelo Alibaba, enquanto o Google deixou a China após ver-se alvo de ataques cibernéticos patrocinados pelo governo.
Ainda assim, o negócio está longe de ser uma catástrofe financeira para o Uber, que por cerca de US $ 2 bilhões em investimentos no mercado chinês recebe uma parte de $ 7 bilhões em uma empresa que deve crescer. Dessa forma, o Uber economiza recursos para competir em outros projetos.
Em tempo: À salvo de políticas neoliberais desregulamentadoras e concentradoras, a China é "ironicamente o país que mais se desenvolveu nas últimas décadas e que melhor resistiu à crise". Logo a China, que tem o que a The Economist chama de “capital confinado”.
Veja: