Na rede

quarta-feira, março 27, 2013

Revolução na TI de governo: de TICs para Digital (não estamos NA web, somos DA web)


Após ter participado do processo do Diálogos Setoriais – cooperação internacional com a União Européia – e ter recepcionado os colegas do JISC (Londres) e do MIMAS (Manchester) para o Seminário Internacional Sistemas de Informação e Acervos Digitais de Cultura, foi inevitável a minha tendência em observar como os britânicos estão lidando com os desafios que o mundo digital apresenta para os projetos de governo que envolvem o uso de tecnologia.

No caso da digitalização dos acervos de bibliotecas, acervos e museus, que é sem dúvida um enorme desafio de tecnologia, mas que por outro lado envolve outros desafios, entre políticos e institucionais, os quais necessariamente devem ser 'iluminados' pela perspectiva digital, temos uma grande encrenca. Estou certo de que atualmente é IMPOSSÍVEL para qualquer área de TI de governo no Brasil, seja em ministérios e / ou unidades vinculadas, agências, ou mesmo empresas públicas de processamento de dados, encarar o desafio dos acervos digitais com a devida propriedade.

Projetos como o SNIIC e o registro unificado de obras, que surgem à partir da abordagem do 'Governo como Plataforma', com forte ênfase na dimensão dos Dados Abertos (#opendata) e dos Serviços Digitais públicos, enfrentam grande dificuldade de 'contratação' e implementação. O modelo de funcionamento proposto para as TICs no governo seguem baseadas no modelo de terceirização, e as equipes alocadas nestes setores são cada vez mais especializadas em processos licitatórios, e cada vez menos dedicadas à acompanhar a evolução furiosa dos desafios que o paradigma digital apresenta para a inovação tecnológica no estado.

Durante as visitas à Londres e Manchester no ano passado, e no Discovery Summit em fevereiro deste ano, assim como nas conversas que tivemos com os parceiros internacionais em São Paulo durante o Seminário na Brasiliana-USP semana passada, impressionou a disposição das iniciativas do governo inglês em se atualizar constantemente frente ao mundo digital. Especialmente agora, no cenário de cortes de recursos para os programas de governo em função da crise européia, o foco na racionalização de esforços atinge seu ponto máximo, e as iniciativas resultantes apresentam aspectos inovadores interessantes.

Não pude deixar de notar o post da semana passada do Mike Bracken, ex-Diretor de Desenvolvimento Digital do Guardian, e que se juntou ao governo britânico em 2011 para formar o GDS (Government Digital Service), tornando-se Diretor-Executivo do Serviço Digital de Governo. O GDS fica no Cabinet Office, algo assim como a Casa Civil no Brasil, posicionado no centro do governo com o objetivo de fazê-lo funcionar melhor. No blog do GDS (em WordPress :-), de onde Mike dispara suas reflexões e comandos (com um vídeo semanal no youtube), me chamou a atenção o anúncio sob o inspirado título: "Da web, não na web" ("Of the web, not on the web"):
"Hoje anunciamos algumas pequenas mas importantes mudanças na governança da TI. O detalhamento se encontra aqui, mas o resultado concreto é o seguinte: nós não teremos mais um Diretor-Geral de Informação (Chief Information Officer - CIO) para o governo como um todo, e também não teremos mais um Superintendente para Carreiras de TICs (Head of Profession for ICTs). Estamos migrando a responsabilidade por esses recursos para o Serviço Digital de Governo (Government Digital Service), e encerrando as atividades de algumas comissões inter-governamentais em diversos temas relativos à tecnologia, ao tempo em que iremos rever a atuação das demais instâncias relacionadas ao tema a fim de ter certeza de que os novos arranjos serão criados de forma tão eficiente quanto possível."
Buscando conhecer um pouco mais sobre os antecedentes desta mudança "de TICs para Digital", que considero extremamente bem sacada, encontrei um interessante relatório que parecer ter sido o grande impulso para a mudança anunciada. O relatório "TI e Governo - 'uma receita para o sobrefaturamento' - tempo para uma nova abordagem" ('Government and IT — “a recipe for rip-offs”: time for a new approach'), documento do Comitê Seleto de Administração Pública do Parlamento Britânico (House of Commons), avalia os relatos sobre o desempenho do serviço público, e reporta sobre o período 2010-2012. 
"A Tecnologia da Informação (TI) desempenha papel fundamental na prestação de serviços públicos. No entanto, apesar de algumas de iniciativas de sucesso, o registro geral do governo no desenvolvimento e implementação de novos sistemas de TI é terrível. A falta de habilidades específicas de TI no governo e o excesso de confiança no modelo de terceirização resultaram em um problema fundamental, que tem sido descrito como "uma receita para o sobrefaturamento". 
O modelo de aquisição externa de serviços de TI tem geralmente resultado em atraso nas entregas, na quebra dos orçamentos previstos, e no desenvolvimento de soluções que não atendem às expectativas. Em vista dos cortes necessários em resposta ao déficit fiscal, é ridículo que alguns departamentos gast3m uma média de £ 3.500 (R$ 10.600) em um PC desktop. Este Governo, como muitos antes dele, tem um ambicioso programa destinado a reformar o modelo de gestão de TI. Este relatório estabelece os elementos que o Governo deve contemplar para que estas reformas obtenham sucesso onde as tentativas anteriores fracassaram."

Movendo-se de TICs para Digital

Em relação aos resultados do relatório sobre a TI no governo britânico, é quase óbvia a correlação que identificamos com o cenário aqui no Brasil. No momento em que estamos concebendo serviços digitais públicos de grande envergadura, como é o caso do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC), do Registro Unificado de Obras Intelectuais, e também do arranjo complexo que envolve a digitalização e disponibilização de acervos culturais de diversas instituições públicas (bibliotecas, arquivos e museus), fica claro o absoluto despreparo do modelo de gestão TI do governo brasileiro para dar conta dos desafios deste tempo.

No presente contexto local, onde temos clareza sobre a demanda mas nenhuma perspectiva sobre como encaminhar as soluções, a decisão arrojada do governo britânico de mover-se de TICs para o Digital, para nós faz todo o sentido. O ponto central é: precisamos reunir novas capacidades, não necessariamente ligadas à tecnologia, e estabelecer como conceito aglutinador de todo o processo a prestação de serviços digitais aos cidadãos. Tais serviços exigirão o uso de infraestruturas compartilhadas entre os diversos setores de governo, e somente uma reflexão transversal sobre os desafios colocados pelo paradigma do ecossistema digital pode dar conta do serviço. O blog do GDS vai direto no ponto:
"À medida em que nos afastamos de uma abordagem de grandes aquisições no mercado de tecnologia, em direção ao modelo de delegação de responsabilidade (commissioning) e co-entrega de serviços públicos digitais (infraestrutura compartilhada), nosso perfil de capacidades precisa mudar técnica e culturalmente. Nos últimos meses, na GDS e em outros departamentos, estamos contratando e responsabilizando novos atores, com novos papéis, incluíndo novas capacidades:
  • cientistas de dados 
  • arquitetos da informação
  • arquitetos de aplicações e serviços
  • gerentes de produto
  • gerentes de serviços
  • engenheiros de software
  • designers de todos os tipos
  • especialistas na experiência do usuário
  • gerentes de entrega e teste"
O movimento é absolutamente pertinente com a reflexão provocada pelo advento da Coordenação-Geral de Cultura Digital do MinC (2009-2013), e pelos constrangimentos que o modelo de funcionamento da TI.gov.br apresenta para projetos nativos do meio digital. Mas para que a re-engenharia institucional proposta pelos britânicos dê certo, e para que as novas capacidades reunidas possam operar todo o seu potencial, as pessoas e organizações "devem estar impregnadas pela cultura e pelo ethos da geração web" -- a clara compreensão de que o que costumava ser difícil tornou-se mais fácil, e o que costumava ser caro tornou-se barato. Acima de tudo, é importante disseminar o entendimento de que "o principal desafio agora não está na dimensão da tecnologia da informação, e sim na concepção (desenho), desenvolvimento e implementação de excepcionais serviços digitais públicos centrados no usuário".

Vamos acompanhar de perto este movimento dos ingleses, pois entendemos que as diretrizes colocadas estão em absoluta sintonia com os avanços que julgamos necessários, neste exato momento, no cenário da TI governamental em nosso país. Não há tempo a perder.