Na rede

sexta-feira, janeiro 29, 2010

Sobre o ‘acordo Google Books’, ou de porque precisamos atualizar a lei de direito autoral

Entre as melhores apresentações que vi nos últimos tempos está a do Alexandre Pesserl (@pesserl), que é integrante do Grupo de Estudos em Direito Autoral e Informação da UFSC — a turma afiada do Prof. Marcos Wachowicz –, e autor de ‘A Biblioteca total: Google Book Search e obras órfãs‘ em parceria com Marciele Bernardes. A apresentação ocorreu no Workshop sobre Direito do Autor promovido pela biblioteca Brasiliana-USP no final do ano passado.

O Alexandre abordou um dos temas mais desafiantes do universo digital: o ‘acordo Google Books’ (Google Books Settlement). O assunto é intrincado por vários motivos, a começar pela complexidade do acordo em si. Mas difícil mesmo é avaliar o mérito da questão, pois o mencionado acerto entre o Google e a Author’s Guild viabiliza o desembaraço jurídico que garante a imediata disponibilização na rede de todas as obras órfãs, que são aquelas que continuam sujeitas ao regime de proteção autoral mas que seus titulares não são localizáveis. Estamos falando da possibilidade de livre acesso a 75% do conteúdo que está sendo ou será digitalizado nas bibliotecas de todo o mundo — o chamado ‘buraco negro do século 20′.

Jamie Boyle, o pai da ecologia digital, conta que em um tempo distante… tínhamos 3 situações. O tempo de proteção das obras era curto, o registro para proteção da obra tinha que ser renovado (o que a maioria não fazia), e o tal registro nem chegava a existir a não ser que fosse solicitado. Hoje tudo é bem diferente. Os períodos de proteção automática a direitos autorais podem durar mais de 100 anos. O resultado? As grandes bibliotecas do mundo estão abarrotadas de livros que: (1) ainda estão protegidos, (2) estão comercialmente indisponíveis e, na maioria dos casos, (3) são obras órfãs sem qualquer detentor de direitos com quem negociar.

Por um lado, o fato de uma ação de classe (class action) entre duas pessoas jurídicas, no caso, entre uma empresa de tecnologia (o Google) e uma espécie de sindicato de escritores (a Author’s Guild), ambos baseados nos EUA, estabelecer os termos que definem o acesso à parte tão relevante da produção global de cultura e conhecimento causa estranheza e preocupação. Questões sérias de privacidade, o risco do monopólio, e a ausência de qualquer perspectiva de fiscalização ou normatização pública sobre o serviço de busca e disponibilização dos conteúdos torna o cenário extremamente preocupante.

Por outro lado, é bem difícil ser contra um arranjo que pode, de repente, fazer ressurgir este respositório monumental de conhecimento e cultura, tudo indexado por palavra, ao alcance de um click. Trata-se de uma vitória da civilização, da democratização do acesso à cultura. Todo e qualquer cidadão teria a possibilidade de não apenas encontrar obras cuja existência desconhecia, mas de também descobrir em quais bibliotecas a obra está disponível ou acessá-las diretamente de forma remota.

O @Pesserl explica que nos termos do acordo, 20% de qualquer trabalho cujo titular não eleja estar fora do arranjo (opt-out) estará disponível gratuitamente; o acesso completo poderá ser adquirido. O acordo demanda ainda a criação de um órgão de registro, o Books Rights Registry, a ser operado por uma organização não governamental formada por membros das editoras e representantes dos autores.

O arranjo dá aos autores um local para identificar-se e receber pagamentos pelo uso dos livros feito pelo Google, incluindo uma parcela da renda das vendas e da publicidade. Isso é benéfico tanto para autores de livros hoje “órfãos” quanto para aqueles que querem utilizá-los: providencia um modo dos autores “desorfanarem” suas obras e um modo para os usuários localizarem tais titulares previamente desconhecidos para obtenção das licenças para uso de tais obras.

Em outra perspectiva, o uso criativo das novas potencialidades de pesquisa pode permitir novas descobertas acadêmicas. O benefício marginal será maior para pesquisadores sem acesso direto às grandes bibliotecas ou que não moram em grandes cidades, permitindo uma geração direta de maior conhecimento pela maior circulação da informação.

Para os editores, trata-se da criação de um novo mercado com potencial ainda difícil de quantificar. Mas o posicionamento central e excessivamente dominante do Google no arranjo segue sendo algo incômodo para os demais atores do processo.

Neste ponto o Alexandre coloca bem a questão: Porque é que foi necessário ‘um acordo entre entidades privadas diretamente interessadas – de um lado, o gigante de buscas, de outro representantes de uma indústria em rápida transição – para cortar o nó górdio deste gigantesco patrimônio cultural que estava se perdendo?’

O acordo ‘Google Books’ representa, de fato, oportunidade para uma ampla reflexão sobre o papel do estado, e sobre a eficácia do modo tradicional de se fazer política pública nesta fase do capitalismo pós-industrial, globalizado e conectado.

O estado, que deveria ser o principal interessado na manutenção dos commons, os “baldios” compreendidos no patrimônio cultural comum que é a matéria-prima do saber e do conhecimento, quedou-se inerte, presa do discurso maximalista de proteção
A Biblioteca total: Google Book Search e obras órfãs – Alexandre Pesserl e Marciele Bernardes

No decorrer do processo, a movimentação do Google no setor levantou a ira de alguns críticos influentes, e neste momento o acordo está sob análise no Departamento de Justiça americano. O Google se defende dizendo que não pode ser acusado de ter o monopólio sobre um mercado (o das obras órfãs) que ainda não existe. Aproveita ainda para cutucar o estado, afirmando que todos os problemas estariam resolvidos se tivéssemos uma lei autoral racional, que provesse as garantias necessárias para o uso comercial das obras órfãs.

Recentemente a Open Book Alliance, em uma carta ao congresso americano, manifestou esperança de que o DOJ irá bloquear o acordo, e indicou a necessidade de um processo de discussão aberto com os legisladores, enfatizando a importância de um ‘Guardião Público’ para o banco de dados. Também instou o Google a interromper o projeto, e se juntar na formulação de um esforço colaborativo com os demais atores do setor para a digitalização dos acervos.

Para o buraco negro do século 20, realmente existem algumas soluções alternativas possíveis. Mas.. e se os críticos do acordo vencerem, e continuarmos neste impasse? Não está na hora de consertar a nossa lei autoral para que este tipo de questão deixe de acontecer?

O Prof. Boyle, em um comentário recente, concluiu que se não somos capazes enquanto sociedade de operar a urgente e necessária reforma em nossos marcos regulatórios de direito autoral, então é melhor permitir que o Google opere o ‘plano b’. Afinal, tal cenário é infinitamente melhor do que permanecer no buraco negro do século 20.

Vale conferir os slides da apresentação do Alexandre Pesserl, que falam por si.

quinta-feira, janeiro 28, 2010

Como um grande protudo pode ser má notícia: Apple, iPad, e o Mac fechado

Tradução livre de trecho do artigo
de Peter Kirn no site Create Digital Music


O iPad da Apple chegou. Ele começa a ser vendido por 499 dólares. Trata-se de um gadget lindo, brilhantemente concebido, e que se beneficia do design inteligente das ferramentas de desenvolvimento de aplicativos para dispositivos móveis da Apple, as melhores da classe. Será uma explosão de vendas. E, infelizmente, para mim isso significa uma má notícia para o tipo de computação criativa sobre o qual falamos neste site.

Em poucas palavras, creio que o novo dispositivo móvel da Apple está causando um imenso dano ao legado computacional que a empresa forjou. Nós poderíamos estar saudando o lançamento de um tablet Mac hoje. Em vez disso, temos um iPhone gigante - e isso é uma decisão que tem repercussões graves. Trata-se de um duro golpe para as alternativas de código aberto, e também para os padrões abertos em geral: o poder da intercombinação de hardware e software, no qual se baseia tudo o que fazemos com a música e a imagem em computadores.

Durante anos a comunidade Mac protestou contra o que era percebido como uma perspectiva fechada da Microsoft. Hoje, muitos destes se encantam por uma Apple que manifesta uma visão muito mais fechada do que a de Redmond. Podemos dizer que o iPad incorpora o oposto exato de tudo relacionado à computação aberta como ferramenta criativa para a criação, compartilhamento e distribuição de música, imagens e conhecimento. Vejamos:

  • Trata-se de uma plataforma fechada. Tal como acontece com o iPhone, desenvolver aplicações para o IPAD significa depender totalmente das ferramentas da Apple, e do uso do software e hardware proprietários da Apple apenas para construir um app. Tais sacrifícios podem ser justificados no caso de um grande produto. Mas a questão é que a distribuição das aplicações também depende da Apple, que é quem decide quais os desenvolvedores de aplicações serão autorizados a criar - algo que nunca aconteceu em um sistema operacional de computação. Desde o lançamento do SDK do iPhone, os apaixonados pela Apple argumentaram que de alguma forma isso teria sido uma decisão forçada pelas operadoras de telecom, e que certamente a sua amada a Apple não tinha culpa. No entanto, a Apple escolheu esse caminho para um dispositivo que, apesar de não apresentar um teclado, tem todas as funções de um computador - algo que poderia ter sido um Mac, com todo o poder e a liberdade de um Mac, em vez de um iPhone vitaminado.
  • Não tem portas padrão. Tal como o iPhone, o iPad tem apenas um conector proprietário, assegurando à Apple o controle sobre o hardware feito para o dispositivo. Você pode jogar fora décadas de aulas sobre o valor dos conectores padrão, sobre a possibilidade de se utilizar um computador como um hub digital -- para usar uma expressão popularizada pela Apple. Saída de vídeo será possível, ainda que com um adaptador proprietário. Mas o acesso a essa porta de vídeo via software tem sido um enorme problema no iPhone. Além disso, as possibilidades de uso hardware externo não foram totalmente esclarecidas. A Apple vai oferecer um leitor de cartão de memória da placa que usa USB. Mas não há uma porta USB nativa na máquina, e isso não necessariamente sugerem suporte completo para USB, esperemos, mais detalhes surgirão.
  • Está ligado ao iTunes. Tal como acontece com o iPhone, você não pode usar o hd do iPad como um hd. Você não pode se conectar a um computador e colocar nele o que você gosta. Você está limitado à utilização de aplicativos como condutores ou servidores - e, mesmo assim, você tem ações limitadas; arquivos críticos de mídia e leitura são controlados pela toda poderosa iTunes App Store. O iPad acaba sendo um dispositivo de armazenamento que você possui, mas que outro alguém controla. Talvez isso seja aceitável para os consoles de jogos, mas, novamente, o iPad tem a aparência de um computador. (Exceto, claro, que na verdade não é.)
  • A Apple controla toda a distribuição de mídia. A Apple já tem uma posição perigosamente dominante no mercado de música e software móvel, e seus dispositivos acorrentados ao iTunes garantem que todo o conteúdo passará por sua loja online, pelos seus dutos, enfim, tudo sob o seu controle. Isto significa que os desenvolvedores estarão limitados no que eles podem criar para o dispositivo quando se trata de mídia - um app de streaming da Last.fm é bom, mas uma loja de música independente (como a Amazon MP3 no Android) não o é. Adicione a isto o cenário da Apple dominando a distribuição de livros. No momento em que temos a oportunidade de promover a publicação independente de e-books, surge o iPad acompanhado por promoções de lançamento de grandes editoras tradicionais. O que isso significa para os escritores e produtores de conteúdo independentes? Um sinal positivo é que a aplicação da Apple suporta o formato aberto epub. Nos próximos dias e meses, vamos avaliar como isso funciona, e como interage com outros aparelhos.
  • Não é um computador aberto. Não é um Mac. A questão de fundo: você não pode realizar os procedimentos básicos que uma experiência de computação aberta permite. Você não pode conectar o hardware que você deseja, desenvolver ou executar o software que você quer, ou experimentar a liberdade que um computador oferece. Isso não quer dizer que uma tablet, uma slate, uma pad, ou o que você quiser chamá-la precisa ser exatamente como outros computadores. Pelo contrário: se você acredita na experiência de computação, sabe que deve trabalhar os aspectos de design de forma nova e criativa. (Houve um tempo quando o laptop em formato de mala que se fecha foi uma idéia nova, em um tempo em que os computadores eram tijolos gigantes que conectado a uma TV.)
Limitações podem ser necessárias. Sistemas operacionais especializados em telefones celulares fazem sentido. Mas o que temos no iPad é uma decisão de design do projeto - define a interface, as ferramentas de programação, e o hardware. Um dispositivo móvel como o iPad poderia muito bem funcionar sem estar preso ao iTunes, ou contando com portas e conectores do mundo real.

Nota: Em momento algum eu digo que a alternativa a uma iPad tem de ser em código aberto. Sou um grande fã do código aberto e do software verdadeiramente livre. Mas em relação ao que temos acima, o Windows pode ser considerado aberto.

segunda-feira, janeiro 25, 2010

O Manifesto pelo Domínio Público

O Manifesto do Domínio Público foi elaborado no contexto das atividades da Communia, rede temática da União Européia sobre Domínio Público.

http://communia-project.eu/

http://communia-project.eu/

Preâmbulo

“O livro, como um livro, pertence ao autor, mas como um pensamento, ele pertence – a palavra não é tão vasta – à humanidade como um todo. Todas as pessoas possuem este direito. Se um desses dois direitos, o direito do escritor e o direito do espírito humano, tiver que ser sacrificado, certamente o direito do escritor seria o escolhido porque o interesse público é a nossa única preocupação, e todos, eu vos digo, devem vir antes de nós.” (Victor Hugo, Discurso de Abertura do Congresso Literário Internacional de 1878, 1878)

“Nossos mercados, nossa democracia, nossa ciência, nossas tradições de livre de expressão e toda nossa arte dependem mais fortemente de um material disponível livremente em Domínio Público do que de obras protegidas por direitos patrimoniais. O Domínio Público não é um resíduo deixado para trás quando todas as coisas boas já foram tomadas pelo direito de propriedade. O Domínio Público é compõe a estrutura que suporta a construção da nossa cultura. Ele é, na verdade, a maior parte da nossa cultura.” (James Boyle, O Domínio Público, p.40f, 2008)

O domínio público, tal como o entendemos, é o manancial de informações que está livre das barreiras de acesso ou reutilização geralmente associadas à proteção dos direitos autorais, seja porque ele é livre de qualquer proteção autoral, seja porque os detentores de direitos autorais decidiram remover essas barreiras.

O domínio público é a base da nossa auto-compreensão, expressa pelo nosso conhecimento e cultura compartilhados. É a matéria-prima da qual são derivados os novos conhecimentos e criadas as novas obras culturais. O domínio público atua como um mecanismo de proteção para garantir que essa matéria-prima esteja disponível ao custo de sua reprodução – próximo de zero – e que todos os membros da sociedade possam construir com base neste conteúdo.

Promover a existência de um domínio público saudável e próspero é essencial para o desenvolvimento social e o bem-estar econômico das nossas sociedades. O domínio público desempenha um papel crucial nas áreas de educação, ciência, patrimônio cultural e de informação do setor público. Um domínio público saudável e próspero é um dos pré-requisitos para assegurar que os princípios do artigo 27 (1) da Declaração Universal dos Direitos Humanos (“Todos tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar no progresso científico e de seus benefícios.”) possam ser apreciados por todos ao redor do mundo.

A sociedade da informação digital em rede trouxe a questão do domínio público para o primeiro plano das discussões sobre direitos autorais. Com o intuito de preservar e fortalecer o domínio público precisamos de uma atualização consistente na compreensão da natureza e do papel desse recurso essencial. Este Manifesto do Domínio Público define o domínio público e delineia os princípios e as orientações necessárias para a concretização de um domínio público saudável do início do século 21..

O domínio público é aqui considerado em sua relação com o o Direito Autoral, restando excluídos outros direitos de propriedade intelectual (como patentes e marcas), devendo o direito autoral ser compreendido em seu sentido mais amplo para incluir os direitos patrimonais e morais de autor, além de correlatos (incluindo direitos conexos e aqueles relativos a bancos de dados).

Para fins de leitura deste documento, o termo “direitos autorais” é usado para identificar esses direitos. Além disso, o termo “obras” inclui toda matéria protegida por direito autoral, assim como bancos de dados, performances e gravações. Da mesma forma, o termo “autor” abrange fotógrafos, produtores, empresas de radiodifusão, pintores e artistas.

O domínio público no século 21

O domínio público, como formulado neste Manifesto, é definido como o substrato cultural livre para ser usado sem restrições, sobre o qual não há proteção autoral. Além das obras que estão formalmente em domínio público, existem várias obras valiosas que indivíduos compartilham voluntariamente, viabilizando a formação de um commons construído de forma privada, mas que funciona em muitos aspectos como o domínio público. Além disso, os indivíduos podem também fazer uso de muitas obras protegidas através de exceções e limitações aos direitos autorais, fair use e fair dealing. Todos esses mecanismos que permitem um maior acesso à nossa cultura e ao patrimônio cultural são extremamente importantes, e devem ser ativamente apoiados para que a sociedade possa colher os benefícios do conhecimento e da cultura compartilhados.

O domínio público

O domínio público estrutural reside no núcleo da noção de domínio público e é composto por nosso conhecimento compartilhado, cultura e recursos que podem ser usados sem restrições autorais pela lei vigente. Especificamente, o Domínio Público estrutural é composto por duas classes diferentes de materiais:

1. Obras cuja proteção autoral já expirou. O direito autoral é um direito temporário garantido aos autores. Uma vez que essa proteção temporária chega ao fim, todas as restrições legais deixam de existir, com exceção dos países cuja legislação prevê a existência de direitos morais perpétuos do autor.

2. O commons essencial da informação que não é abrangidopelo direito autoral. Obras que não são protegidas por direito autoral porque elas não cumprem o requisito da originalidade, ou são excluídas de proteção (como dados, fatos, idéias, procedimentos, processos, sistemas, métodos de operação, conceitos, princípios ou descobertas, independentemente da forma em que são descritos, explicados ilustrados ou incorporados em uma obra, assim como leis e decisões administrativas e judiciais). Esse commons essencial é muito importante para o desenvolvimento de nossas sociedades e não deve ser onerado porpor restrições legais de qualquer natureza, mesmo que por um período limitado.

O domínio público estrutural é um equilíbrio historicamente alcançado na proteção dos direitos autorais e é essencial para a memória cultural e para a base do conhecimento em nossas sociedades. Na segunda metade do século 20 todos os dois elementos aqui identificados foram afetados pela extensão do prazo de proteção autoral e pela introdução de regimes de proteção legal assemelhados à proteção autoral.

Os commons voluntários e as prerrogativas dos usuários :

Além do núcleo estrutural do Domínio Público, outros mecanismos essenciais possibilitam que usuários possam interagir livremente com obras protegidas por direitos autorais. Esses mecanismos representam uma zona de liberdades em nossa atual cultura e conhecimento, garantindo que a proteção autoral não interfira em requerimentos específicos da sociedade e na autonomia da vontade dos autores. Enquanto essas fontes aumentam o acesso a obras protegidas, algumas delas condicionam esse acesso a certas formas de uso ou restringem o acesso a certas classes de usuários:

1. Obras que sejam voluntariamente compartilhadas pelos titulares de direitos sobre as mesmas. Criadores podem remover restrições de uso de suas obras de várias formas: (i) licenciando livremente as mesmas; (ii) valendo-se de ferramentas legais para permitir que terceiros usem suas obras sem restrições; (iii) ou ainda dedicando as suas obras ao domínio público. Para definições sobre licenciamento livre consulte a definição de software livre a definição de obras culturais livres e a definição de conhecimento aberto.

2. As prerrogativas dos usuários criadas pelas exceções e limitações aos direitos do autor, fair use e fair dealing. Tais prerrogativas integram o domínio público. Elas garantem a existência de acesso suficiente à nossa cultura e conhecimento, possibilitando o funcionamento de instituições sociais fundamentais e permitindo a participação social de pessoas com necessidades especiais.

Analisadas conjuntamente, o domínio público, o compartilhamento voluntário de obras e as exceções e limitações aos direitos autorais, bem como os regimes do fair use e do fair dealing, buscam garantir que todos tenham acesso à nossa cultura e conhecimento compartilhados de forma a facilitar a inovação e a participação cultural para benefício de toda a sociedade. Sendo assim, é importante que o domínio público, em ambasas suas manifestações, seja preservado de modo a continuar a desempenhar um papel-chave nesse período de rápidas mudanças tecnológicas e sociais.

Princípios Gerais

Em um período de mudanças tecnológicas e sociais extremamente rápidas, o domínio público cumpre um papel essencial no fomento à participação cultural e à inovação digital e, portanto, precisa ser ativamente mantido. A manutenção ativa do domínio público deve levar em conta uma série de princípios gerais. Os princípios listados a seguir são essenciais para fomentar uma compreensão consistente sobre o papel do domínio público na cultura digital, e para garantir que o domínio público continue a funcionar no ambiente tecnológico da sociedade da informação em rede. No que diz respeito ao domínio público estrutural, os princípios são os seguintes:

1. O domínio público é a regra; a proteção dos direitos autorais é a exceção. Na medida em que a proteção de direitos autorais é concedida apenas a formas originais de expressão, a grande maioria dos dados, informações e ideias produzidas no mundo em certo momento pertence ao domínio público. Além das informações que não são passíveis de proteção, o domínio público é ampliado a cada ano por obras cujo prazo de proteção expira. A aplicação combinada dos requisitos de proteção e de uma duração limitada para a proteção de direitos autorais contribui para o enriquecimento do domínio público, garantindo maior acesso à nossa cultura e conhecimento compartilhados..

2. A proteção do direito autoral deve durar apenas o tempo necessário para alcançar um equilíbrio razoável entre (1) a proteção para recompensar o autor por seu trabalho intelectual, e (2) a salvaguarda do interesse público na divulgação da cultura e conhecimento. Não existe nenhum argumento válido, nem da perspectiva do autor, nem da perspectiva do público em geral (seja histórico, econômico, social ou outro) que justifique o apoio a um prazo excessivamente longo de proteção de direitos autorais. Embora o autor tenha direito de colher os frutos do seu trabalho intelectual, o público em geral não deve ser privado por um período excessivamente longo dos benefícios de utilizar livremente as obras.

3. O que está em domínio público deve permanecer no domínio público. O controle exclusivo sobre as obras em domínio público não deve ser restabelecido através da reivindicação de direitos exclusivos de reprodução técnica das obras, ou pelo uso de medidas de proteção técnica (TPM) para limitar o acesso às reproduções técnicas dessas obras.

4. Quem utiliza legitimamente uma cópia digital de uma obra em domínio público deve ser livre para (re)utilizar, copiar e modificar esse trabalho. O status de domínio público de uma obra não significa necessariamente que ela deve se tornar acessível ao público. Os proprietários das obras físicas que estão em domínio público são livres para restringir o acesso a essas obras. Contudo, uma vez que o acesso a uma obra tenha sido concedido, não devem existir restrições legais sobre a reutilização, a modificação ou a reprodução destas obras.

5. Contratos ou medidas técnicas de proteção para restringir o acesso e re-utilização de obras em domínio público não devem ser aplicados. O status de domínio público de uma obra garante o direito de reutilizar, modificar e reproduzir. Isso inclui também as prerrogativas decorrentes de exceções e limitações, e dos regimes de fair use) e fair dealing, assegurando que estas prerrogativas não podem ser limitadas por via contratual ou tecnológica.

Ademais, os seguintes princípios constituem o cerne dos commons voluntários e das prerrogativas do usuário acima descritos:

1. A renúncia voluntária dos direitos autorais e compartilhamento de obras protegidas são exercícios legítimos da exclusividade típica dos direitos autorais. Muitos dos autores titulares de proteção por suas obras não querem exercer esses direitos em toda a sua extensão, ou desejam abrir mão desses direitos completamente. Tais ações, desde que sejam voluntárias, são um exercício legítimo da exclusividade típica dos direitos autorais e não podem ser impedidas por lei, regulamento ou outros mecanismos, incluindo os direitos morais.

2. As exceções e limitações aos direitos autorais, e os regimes de fair use e fair dealing devem ser ativamente apoiados para garantir a efetividade do equilíbrio fundamental entre os direitos autorais e o interesse público. Esses mecanismos criam prerrogativas ao usuário ao criar uma zona de liberdades dentro do sistema de direitos autorais. Dado o ritmo acelerado das mudanças tecnológicas e sociais, é importante que elas permaneçam capazes de assegurar o funcionamento de instituições sociais essenciais e a participação social de pessoas com necessidades especiais. Tais mecanismos devem, portanto, ser interpretados com base em sua natureza evolutiva, sendo constantemente adaptados de modo a considerar o interesse público.

Além desses princípios gerais, uma série de questões relevantes para o domínio público devem ser tratadas imediatamente. As seguintes recomendações são no sentido de defender o domínio público e garantir que ele possa continuar a funcionar de forma significativa. Embora estas recomendações sejam aplicáveis em todo o espectro dos direitos autorais, elas são de especial importância para a educação, o patrimônio cultural e a investigação científica.

Recomendações gerais

1. O prazo de proteção dos direitos autorais deve ser reduzido. A duração excessiva de proteção de direitos autorais combinada com a ausência de formalidades para registro é altamente prejudicial para a acessibilidade do nosso conhecimento e cultura compartilhados. Além disso, aumenta a ocorrência de obras órfãs, obras que não estão nem sob o controle de seus autores, nem são parte do domínio público, não podendo, em quaisquer dos casos, ser idealmente utilizadas. Assim, para novas obras a duração da proteção de direitos autorais deve ser reduzida a um prazo mais razoável.

2. Qualquer mudança no escopo de proteção dos direitos autorais (incluindo qualquer nova definição sobre o conceito de obras protegidas ou ampliação de direitos exclusivos) precisa considerar os efeitos sobre o domínio público. Qualquer alteração no âmbito de proteção de direitos autorais não deve ser aplicada retroativamente a obras que já foram objeto de proteção. O direito autoral é uma exceção de tempo limitado ao status de domínio público da nossa cultura e conhecimento compartilhados. No século XX o seu âmbito foi alargado de modo significativo, de forma a acomodar os interesses de uma pequena classe de titulares de direitos, em detrimento do público em geral. Consequentemente, a maioria da nossa cultura e conhecimento compartilhados está bloqueada por direitos autorais e restrições técnicas. Nós devemos assegurar que esta situação não será minimante agravada, sendo, pelo contrário, positivamente reformada no futuro.

3. Uma obra que tenha entrado em domínio público estrutural no seu país de origem deve ser reconhecida como parte do domínio público estrutural em todos os outros demais países. Se uma obra não pode ser objeto de proteção de direitos autorais em um país por se enquadrar no âmbito de uma exclusão específica a direito autoral, seja porque ele não atende a critério de originalidade, seja porque a duração da sua proteção se esgotou, não deve ser possível a ninguém (incluindo o autor) invocar a proteção de direitos autorais sobre essa obra em outro país de modo a retirá-la do domínio público estrutural.

4. Qualquer tentativa falsa ou enganosa de apropriação indevida de material de domínio público deve ser legalmente punida. A fim de preservar a integridade do domínio público e proteger os usuários de obras em domínio público contra representações imprecisas e fraudulentas, quaisquer tentativas falsas ou enganosas para reivindicar exclusividade sobre material de domínio público devem ser declaradas ilegais.

5. Nenhum outro direito de propriedade intelectual deve ser usado para reconstituir a exclusividade sobre material em domínio público.O domínio público é essencial para o equilíbrio interno do sistema de direitos autorais. Este equilíbrio interno não deve ser manipulado por tentativas de reconstituir ou obter o controle exclusivo através de regulações externas aos direitos autorais.

6. Deve existir uma forma prático e eficaz de disponibilizar “obras órfãs” e obras publicadas não disponíveis comercialmente (como obras esgotadas) para re-utilização pela sociedade. A extensão do escopo e duração dos direitos autorais e a restrição às formalidades para as obras estrangeiras criaram uma enorme quantidade de obras órfãs que nem estão sob o controle dos seus autores, nem fazem parte do domínio público. Considerando-se que essas obras na atual legislação não beneficiam os seus autores ou a sociedade, as mesmas precisam ser disponibilizadas para reutilizações produtivas pela sociedade como um todo.

7. Instituições de patrimônio cultural deveriam assumir um papel especial no registro eficiente e na conservação das obras em domínio público. Às organizações não-governamentais para a proteção do patrimônio cultural foi confiada a preservação do conhecimento e cultura por nós compartilhados. Como parte deste papel elas precisam garantir que as obras em domínio público estejam disponíveis para toda a sociedade, catalogando-as, preservando-as e tornando-as disponíveis gratuitamente.

8. Não deve haver obstáculos jurídicos que impeçam o compartilhamento voluntário de obras ou a destinação de obras ao domínio público. Ambos são legítimos exercícios de direitos exclusivos concedidos pelo direito autoral e ambos são fundamentais para se garantir o acesso a bens culturais e conhecimentos essenciais, e para respeitar os desejos dos autores.

9. O uso pessoal e não-comercial de obras protegidas deve em geral ser possível, e modos alternativos de remuneração para o autor devem ser explorados. Embora seja essencial para o auto-desenvolvimento de cada indivíduo que ele ou ela seja capaz de fazer uso pessoal e não-comercial de obras, é também essencial que a posição do autor seja considerada quando forem estabelecidas novas limitações e exceções aos direitos autorais, ou revisadas as limitações e exceções existentes.

Traduzido por Carlos Affonso Pereira de Souza, Arthur Protasio, Eduardo Magrani e Koichi Kameda (Centro de Tecnologia e Sociedade – CTS/FGV) e José Murilo Jr. (Ministério da Cultura).

Organizações que apóiam o ‘Manifesto pelo Domínio Público’:

quarta-feira, janeiro 20, 2010

Lembrando Dpadua

Desde que o DPadua nos disse 'tchau' -- ou 'aloha' -- há exatos 2 meses atrás, venho querendo registrar em um post alguma coisa do que vivemos juntos. A efervescência criativa do DP impulsionou muitas das idéias que hoje estão se transformando em realidade no âmbito da Cultura Digital Brasileira, e a convivência que tivemos, desde o primeiro contato na blogosfera em 2002, resulta em inúmeras lembranças, fotos e links. Para o meu colega, amigo e irmão, vale reunir (agregar) mais este fluxo, para quem o conheceu, ou não, recordar DPadua.

Logo que lancei este blog (Ecologia Digital) em 2002, fui bem recebido na rede com um comentário do 'D'. O post dele já não está mais no ar, já que seu nomadismo se manifesta também em links efêmeros. Mas a minha resposta à sua saudação, referenciando toda a movimentação 'Metafórica' da época, é uma boa lembrança do que ele já aprontava no início do século:

Teve também muito significado ser citado nos fluxos do Daniel Pádua, a quem já havia anteriormente declarado meu reconhecimento devido à sua especial presença neste admirável espaço novo. O Blogchalking já é um fenômeno consagrado, mas o cara manda bem também em outras investidas como o GASLI (Grupo de Argumentação para o Software Livre) que está formulando colaborativamente um guia técnico para respaldar a Bancada do Software Livre no Congresso a criar problemas para Bill Gates aqui na Microsoftlândia, e o PROVOS, que propõe ações descentralizadas de mídia tática (entre elas o ZineProvos, em Wiki, onde já meti minha colher). É dele também o manifesto do Projeto Metáfora, e foi sua citação o impulso necessário para que eu pudesse me apresentar melhor à galera metafórica.
Agradecimento à comunidade: testmunho da calorosa acolhida do universo do blog-ativismo - Ecologia Digital (07/11/2002)
Segui acompanhando o 'Artesão de Redes' (nartisan) no ano seguinte, e quando no final de 2003 fui contactado por Claudio Prado (através deste blog) para ingressar no MinC de Gilberto Gil e plugar a então 'nova' reflexão sobre 'cultura digital' na web, não pude deixar de pensar em Daniel Pádua para compor a equipe. O convite foi feito em um comentário no seu blog, e a resposta foi pronta. Pronto! Dpadua estava em Brasília, vindo morar em minha casa, para trabalhar no MinC juntamente com o codeiro metaleiro Marcelo Metal. Estava formado o bunker do 'artesanato ecológico da cultura digitalizada' em Brasília, em plena comunidade Céu do Planalto.

O 'Sapo Crocante' passava então a fazer parte da família, junto com meu irmão (Daniel Duende) e meus filhos -- foto ao lado com Miguel, Luiza e Gabi. Um coletivo, uma irmandade, uma festa. Um ótimo contexto enfim para pensar tecnologia em termos humanos, pois como bem dizia o Sapão, "tecnologia é mato, o importante são as pessoas". Lá estávamos nós, morando no mato, e delirando sobre as possibilidades que a inspiração de Gil viabilizava sob o guarda-chuva temático da cultura digital no MinC.

Pádua nos acordava saltitante para mostrar desenhos intrincados, descrições de possibilidades vislumbradas no sonho. No dia seguinte, o plano poderia ser completamente outro, sem que isso implicasse em qualquer traço de contradição. Por vezes, ficava cantando o mesmo trecho de uma mesma música sem parar.. e frente à irritação do bando, sorria. Dizia que, no fundo, ele era 'uma ficção para os nossos sentidos'. Meu irmão (Duende) recentemente descobriu um sentido mais apropriado para este personagem fictício: Pádua encarnava o mito do imaginante, o 'sátiro pulapulante', e nos soprava o frescor de quem veio aqui para se divertir e divertir quem esteja por perto. O auto-divertido.

Enquanto isso, no MinC entre 2004 e 2005, juntamente com o Metal (ainda com cabelo), formávamos uma trinca para desafiar as limitações do serviço público em compreender a revolução da rede. O trampo básico era gerenciar a estratégia web do ministério, mas o fluxo criativo e o clima inspirado da gestão Gil nos colocava em outras 'viagens'. Junto com Alfredo Manevy (ainda menino) e Ronaldo Lemos (ainda com topete), bolamos o 1. Concurso de Idéias Originais e Demos de Jogos Eletrônicos, que promoveu o modelo de narrativas emergentes para a criação colaborativa de games baseados em idéias originais de jovens brasileiros. Um projeto muito louco. Além disso, a ativação de possibilidades interativas da rede nos eventos presenciais do MinC foi outra frente 'divertida' na qual pusemos a mão.

A percepção de que toda a movimentação ativada nos pontos de cultura e demais ações arrojadas do MinC merecia uma plataforma agregadora aberta na rede nos mobilizou nos últimos meses em que trabalhamos juntos, em 2006. Era a incorporação do conceito Xemelê em uma tecnologia apropriada -- um banco de dados quântico.

Não alcançamos o que desejávamos. Talvez não houvesse na época tecnologia madura o suficiente para acompanhar a criatividade saltitante do DPádua. A equipe se desfez ao final de 2006, mas é inegável que tudo o que fizemos no MinC desde então, culminando com a rede social (aberta e agregadora) CulturaDigital.br, tem nítidas influências do sapo.

DPádua então seguiu semeando cenários imaginantes, até que 'quase' conseguiu hackear a presidência da república com o que veio a se chamar 'blog do planalto'. Ao mesmo tempo, dançava, cantava e batucava maracatu no Seu Estrelo, reafirmando a alegria que pautava o seu dia. Conectados à distância, sempre trocávamos idéias sobre as novidades e novas possibilidades da rede.

Recentemente havíamos acertado seu retorno ao MinC, para compor a equipe da coordenação de cultura digital. Não deu tempo. A vida tinha outros planos. Mas em sua generosidade infinita, deixou para nós muitos presentes, dentre eles, seu sorriso.

Há 2 meses atrás o brother Duende disse: "espero que o DPadua dentro de todos vocês possa novamente cantar e dançar em breve." Amém.

DPadua Vive!


The Nartisan Manifesto: o artesão (de redes) não é movido pela destruição da autoridade, mas pelo vislumbre da liberdade de agir a seu modo.

terça-feira, janeiro 05, 2010

Google vende o 'Nexus One' direto na web: um dia para ficar na história?

Para reativar o ecodigital, era mesmo preciso acontecer um cataclisma de tal magnitude. Ou sou só eu que enxerga este 'bypass' do Google nas operadoras no processo de venda de um telefone celular como símbolo da definitiva fusão da web com o universo mobile? Alguém discorda tratar-se de um cataclisma no setor? Ou ainda, a partir de hoje, como definir este setor do qual tratamos: telecom, mídia, conteúdos digitais, web?

Nas últimas semanas, em férias e longe do ministério, tenho mergulhado no mundo dos smart-phones em parceria com os meus filhos Gabriela e Miguel. Demorei para dedicar a necessária atenção à dimensão mobile do ambiente digital, mas a imersão que começou com o Symbian no Nokia N95 do MinC, e seguiu no iPhone que comprei*, e no Android (Motorola Dext) da Gabih, em pouco tempo gerou um fluxo de sacações definitivas.

Para começar, a experiência dos últimos dias mostrou que já é totalmente possível prescindir de um notebook e contar apenas com um 'celular esperto' no dia-a-dia. Para alguém que há mais de 4 anos carrega consigo um notebook em standby, isto é muito significativo.

E é preciso dizer que foi o iPhone que teve o mérito de me apresentar, pela primeira vez, uma real experiência de uso da web no celular. A sensação de estar 'solto na rede' através de um telefone, mais os truques multi-toque de interação com o conteúdo pela tela sensível, resultam na sensação (quase adictiva) de que todo o potencial da web está incorporado na sua (cyber) pessoa, tornando-se, agora sim, portátil.

Entretanto, como esperado, a experiência com o iPhone não foi só alegrias. O primeiro trauma foi descobrir que o bluetooth nativo do aparelho é desativado via software. Debater o tema com a atendente da operadora foi o dissabor extra, exasperante e inútil.

Da mesma forma, as primeiras explorações no mundo dos 'iPhone apps' indicaram o potencial do cenário, mas o outro lado da moeda se mostra na 'mão de ferro' de Jobs no controle do que pode ser oferecido / instalado, além da irritante diferenciação entre o que é disponibilizado nas diferentes 'iTunes stores' dos diversos países.

Ler um post sobre o 'Tap Tap Revenge', para depois descobrir que o aplicativo que eu quero instalar no meu celular não está disponível no Brasil foi a gota d'água. Como assim Steve, isto aqui é a web ou o quê?!

Foi então que o 'jailbreak' se tornou uma opção interessante, apenas para tornar o iPhone naquilo que ele pretende, ou se propõe a ser -- um web-phone. Após alguns dias de exploração com os 'meninos', conheci o fabuloso blackra1n, o supreendente Cydia, e o incrível Installous. Aí sim foi possível vislumbrar o que o cenário mobile aberto apresenta. Impressionante!

Enquanto isso, brincando com o Android da Gabih, a impressão é de que a liberdade que precisa ser conquistada à força no ambiente iPhone é default no OS mobile do Google. Mas o fato é que não dá para comparar a experiência de uso propocionada pelo hardware do Motorola Dext com o projeto maduro do 3Gs da Apple. Fetiches e fanatismos à parte, é inegável a competência do design embarcado no iPhone. E aqui voltamos para o tema do título do nosso post: o lançamento de um telefone celular, o 'Nexus One', hoje, pelo Google.

O título do post no Google blog que anuncia o lançamento é indicativo: "Nossa nova abordagem à compra de um telefone celular". Ou seja, mais importante do que o aparelho em si, o que está sendo lançado é a 'web store', e um modelo de negócio. Um pouco de atenção nas etapas do processo de compra no site mostra que você escolhe seu aparelho primeiro (inicialmente apenas o Nexus One está disponível), e só depois seleciona sua operadora. Hoje somente a T-Mobile está disponível, mas outras estarão por lá em breve, pode apostar.

Qual a grande diferença? O Google torna-se o operador principal no novo cenário, pautando o desenvolvimento do software e do hardware, impulsionando o uso de seus serviços 'gratuitos', e constrangendo as telecoms a oferecer apenas transporte de dados e voz.

Desde o surgimento dos primeiros rumores sobre o Gphone (Google Phone), muito se falou sobre a chegada de um aparelho extra-classe, que iria impactar o mercado com funcionalidades revolucionárias. O que vimos hoje foi o lançamento de um bom aparelho, mas que de forma alguma justifica o hype embutido.

Mas o essencial do anúncio não era o aparelho! O que deveria chamar a atenção de todos que acompanham as movimentações do ambiente digital, é o fato de estarmos diante de uma ambiciosa estratégia do Google para se reposicionar no mercado neste momento em que a internet móvel se torna uma realidade global.

Enfim, 'Web meets phone' (a web se encontra com o telefone). Tendo a concordar, e para mim, sem dúvida, trata-se de um momento importante na definição do que será o ambiente digital no futuro. Comentários?