Na rede

sábado, novembro 24, 2007

Hackeando o IGF-Rio, ou quase...

Já se passaram 10 dias desde o encerramento do Internet Governance Forum (IGF) no Rio de Janeiro, e somente agora tenho a oportunidade de refletir um pouco sobre o que se passou. Devo dizer que ao cabo do processo, meus sentimentos ficaram registrados de forma oficial e pública no relato do Jeremy Malcolm, fundador e principal ativista da Online Collaboration Dynamic Coalition (OCDC), proferido na sessão de relatório no último dia do IGF.

(José Murilo Junior) spoke in the meeting [the OCDC workshop] about a tool that he had developed with the Brazilian ministry of culture for the Rio IGF meeting. It combines chat and webcasting and as well as being used by remote participants is designed to [allow participants present at the meeting to be able to view, on a large projection screen] [be used by participants at the meeting] the comments that are being made by remote participants in realtime. For the purpose of the IGF meeting, Jose and his team also developed an interface to allow what people in the auditorium see to be monitored to filter out inappropriate remarks. He was disappointed that this was not used in the Rio meeting.
Reporting Back Session, 15 /11/2007 - The Internet Governance Forum (IGF)

O interessante é que um trecho do relato do Jeremy (assinalado em vermelho), cuja íntegra foi compartilhada com os membros da coalizão dinâmica, foi extirpado da versão oficial disponível no site oficial do IGF, e em seu lugar figura o trecho marcado de cinza -- o que chega inclusive a comprometer a compreensão da frase. Uma censura estratégica, diria eu.

Este post deve estar parecendo linguagem cifrada, não é? Na verdade ele se explica através destes posts aqui (este também), que detalham melhor a minha participação no processo IGF -- o Fórum de governança da Internet da ONU -- como representante do Ministério da Cultura.

No MinC de Gilberto Gil, a rede internet é considerada extra-oficialmente como patrimônio imaterial da cultura contemporânea, e como tal, sujeita à proteção contra os perigos que ameaçam a plena fruição de suas possibilidades de difusão e acesso à cultura e ao conhecimento. Neste sentido, por ocasião da realização do IGF no Rio, entendemos que a colaboração do MinC deveria contemplar a aproximação dos temas debatidos no Fórum com o mundo da cultura, e ao mesmo tempo viabilizar um canal de retorno desta dimensão cultural de volta para o Fórum, utilizando as possibilidades de comunicação disponíveis na rede.

Para isso, o Circo Voador na Lapa foi mobilizado durante os 3 dias principais do IGF, cumprindo programação de debates com convidados que estariam interagindo diretamente com as sessões plenárias. O modelo de participação remota proposto pelo MinC para o Secretariado do IGF foi o mesmo utilizado no Seminário Internacional de Diversidade Cultural, e permitiria a interatividade do público online com a audiência 'privilegiada' no local do evento, o hotel Windsor na Barra. Tudo isso acompanhado pelo blog MinC/MRE para o evento.

Nossa percepção era a de que o IGF, ao se apresentar como experiência inovadora da ONU em reunir para o debate um fórum 'multi-stakeholder' (que abrange representantes de governos, das empresas e da sociedade civil), teria como diretriz necessária promover o alargamento do debate e facilitar a participação de todos os públicos interessados. No primeiro IGF em Atenas o esforço em oferecer um nível básico de participação remota foi, em minha opinião, fundamental para a caracterização do que veio a ser chamado processo IGF, o qual prevê mais 3 reuniões até 2010.

Enfim, o plano -- que parecia bom -- de proporcionar ao público interessado um meio de participação remota através de uma interface de chat / webcast, e ao mesmo tempo projetar o fluxo de comentários e perguntas do chat diretamente em uma tela no salão do evento, foi inviabilizado por motivos que até agora eu tento definir. Depois de tudo aprovado, combinado, ensaiado e configurado, o 'pulo do gato' que era a projeção da 'desconferência'* no salão do evento, não aconteceu. E eu, sentado aí gerenciando o chat e com a tela pronta para entrar no ar (foto), amarguei uma grande frustração**.

Acredito hoje ter sido ingênuo em imaginar que um processo com tanta interferência política e não-transparente como o conduzido pelo MAG (Multistakeholder Advisory Group) na definição dos panelistas, poderia ser 'hackeado' tão facilmente. Afinal, colocar o internauta comum -- 'você' mesmo aí no seu humilde teclado -- na posição de se manifestar em condições análogas àquela turma acostumada a intermediar interesses institucionais em meio a processos representativos típicos do século passado, é sem dúvida uma hackeada radical no sistema***.

Não foi à toa que a galera que cuidava da arte que iria ilustrar o evento no Circo voador 'captou a mensagem', e mandou ver o recado -- 'hackeando a onu' -- na primeira versão do cartaz (ao lado) -- censurada por excesso de sinceridade.

Ao final, depois de tanto esforço nos últimos 2 meses para 'abrir' o tema da governança da internet para um público mais amplo, para mim sobrou uma incômoda sensação de fracasso. Minha impressão foi a de que chegamos bem perto de fazer funcionar um hack brilhante, que poderia trazer participações inusitadas para o IGF, mas um 'bug' de última hora pôs tudo a perder. O aprendizado, este sim, foi inestimável.

(*) 'desconferência' (unconference ) - parte da premissa de que na audiência pode / deve existir pessoas mais interessantes para a qualidade do debate do que a suposta autoridade do conferencista.
(**) Ainda acho que o plano teria funcionado se tivéssemos conseguido uma tela exclusiva para a projeção do chat da participação remota, e não dependêssemos do maldito 'switch' que jamais foi acionado. Ficamos reféns de condições subjetivas tais como o grau de arrojo e ousadia das pessoas do Secretariado do IGF responsáveis pelas decisões operacionais.
(***) Hackear: trata-se de descobrir como funciona o processo para então customizá-lo de acordo como queremos, em sintonia com interesses coletivos. Como diz o Ministro Gil, "Hackers resolvem problemas e compartilham saber e informação. Acreditam na liberdade e na ajuda mútua voluntária"