Na rede

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Vamos falar de VRM?

Enquanto grande parte das conversas atuais sobre o ambiente digital lidam com o DRM, nós aqui do ecodigital vamos falar de uma outra sigla ainda não muito conhecida da moçada, mas que pode inspirar idéias interessantes em toda a turma que enxerga na rede o espaço e a possibilidade de se realizar (r)evoluções estruturais na forma como interagimos em sociedade. Trata-se do VRM - Vendor Relationship Management, ou 'Gestão do Relacionamento com Fornecedores'. O termo surge como um contraponto ao CRM - Customers Relationship Management, que define o conjunto de ações das empresas em gerenciar o relacionamento com seus clientes. Mas o que temos aqui além desta sopa de letrinhas? Vamos lá...

Quem de nós não está acostumado a ter experiências frustrantes com atendentes de call-centers? (use a seção de comentários para responder esta). Pois o atendimento que o pobre realiza na ponta da linha é o resultado final de processos de CRM, ou 'Gestão do Relacionamento com Clientes', que podem ser definidos como procedimentos automáticos usados para gerar marketing personalizado baseado em informações sobre o cliente mantidas no sistema. Eu diria que o lado 'automático' do atendimento ao qual nos acostumamos a receber das empresas é exatamente o que nos leva à loucura, e o que esvazia o sentido da palavra 'relacionamento' contida no termo.

Qualquer cidadão enlouquecido após um inferno ocasional vivenciado em um atendimento de call-center fica a se perguntar: eu mereço? O VRM diz: merece. Enquanto as empresas montam seus procedimentos para nos gerenciar como itens de bancos de dados concebidos de acordo com os interesses corporativos, nós clientes não dispomos de nenhum meio tecnologicamente sofisticado para nos relacionar com nossos fornecedores, ou com qualquer instituição. Sim, estamos falando de informações pessoais utilizadas na intermediação de relações na rede, ou seja, estamos falando de identidade digital. A relação automática das empresas conosco supõe quem somos com base em seu banco de dados. Como alternativa, o VRM é o que os clientes, ou no caso, usuários precisam para se relacionar com seus fornecedores tanto ou tão pouco quanto eles mesmos desejem, em seus próprios termos e não somente de acordo com as inclinações e idiossincrasias das corporações.

O termo VRM identifica um movimento capitaneado pelo 'colega' Doc Searls, originado nas discussões sobre 'identidade centrada no usuário' desenvolvidas pela Identity Gang. O impulso para a idéia é a mesma indignação que todos nós sofremos ao sermos submetidos ao que as empresas chamam de 'relacionamento com clientes', mas com uma postura pró-ativa. Portanto, ao invés de culpar as empresas (Vivo, Gol, Mercado Livre, Submarino, Google, Yahoo, Flickr, Amazon, eBay, Technorati, Skype, YouTube, Second Life, GoDaddy, etc., apenas para nomear uma pequena porcentagem dos CRMs que possuem minha combinação ID/senha), Doc sugere:

"O que tivemos por décadas foram sistemas de 'relacionamento' que simplemente não o são, pelo simples fato de residirem completamente do lado das empresas (fornecedores). Estão todos confinados em silos. Isolados. Tais sistemas fazem tudo, mas somente para um fornecedor. O cliente se relaciona com aquele fornecedor através de míseros pedaços de informação para autenticação (login, senha, repostas para perguntas em caso de perda de logins e senhas...) e então interage ('relaciona' é demais para a presente situação) dentro de um sistema estreito e altamente confinado que controla totalmente o que o cliente pode fazer -- e anula completamente qualquer possibilidade de contribuições úteis para a empresa exceto através das compras ou outros dados secundários que possam ser extraídos do histórico de transações com o cliente. "A sua opinião é relevante?" De jeito nenhum. Eles não se importam com o que penso. Importam-se apenas com o que seus relatórios dizem. Existe aqui uma grande diferença. Um lado se relaciona, o outro não.
A 'Identity Gang' tem enfrentado o desafio de alcançar a identidade única (Single Sign On, ou SSO). Mas, de fato, 'relacionar' trata-se de um problema maior e mais importante. Identidade é essencial, mas é apenas o começo. Agora é uma boa hora para vislumbrar o que pode surgir de tudo isso, e eu penso que é o VRM.
O VRM deve prover 'algo' do lado dos clientes que é... o quê? Eu vejo um conjunto de métodos de conexão e arquivos de dados, ou meios de representar arquivos de dados. Tudo seguro, claro. Sob o controle dos clientes, mas provendo informações a quaisquer intermediários com os quais o cliente deseja se relacionar. Um sistema de Gerenciamento do Relacionamento com Fornecedores, ou VRM."

This is why I want VRM - Doc Searls
Quem acompanha o ritmo absolutamente irregular de postagens aqui no ecodigital vai se lembrar de um post sobre a 'economia da atenção', onde já estavam presentes alguns esporos da idéia de se criar mecanismos de registro e organização de dados do lado dos usuários, como o 'attention recorder' e o 'gestures bank'. Mas o importante mesmo deste post foi o registro da abordagem que o Doc Searls começava a formular com o seu texto sobre a 'economia da intenção' (The Intention Economy). Na época ele já indicava o conceito de 'intenção' como mais apropriado do que o de 'atenção' por enfatizar o foco no indivíduo, o 'comprador'. Tal abordagem poderia alavancar a construção de soluções técnicas baseadas em dados de atenção para auxiliar o indivíduo a conseguir o que deseja dos mercados, ao invés de auxiliar o 'vendedor' a capturar a atenção dos 'compradores'.

Como o post começa a se espichar demais, vamos recapitular e fechar por agora com o auxílio do Chris Carfi:

  • O que é? VRM propõe a inversão do modelo de venda e marketing PARA clientes. Com o VRM, o cliente governa seu relacionamento com os fornecedores (empresas)
  • Quem criou? O termo VRM foi sugerido inicialmente por Mike Vizard, durante uma edição do saudoso podcast Gillmor Gang, e a partir daí a idéia vem sendo impulsionada por Doc Searls. Hoje trata-se de um projeto em andamento, e para quem pega bem o inglês e se interessou pelo assunto, baixe e escute os podcasts.
  • O que precisa para funcionar? Algumas questões técnicas são necessárias: (1) uma forma robusta para os clientes gerenciarem suas identidades online sem estar preso a qualquer dos silos criados pelos fornecedores, (2) um sistema que permita aos clientes terem controle sobre quais aspectos de sua identidade e de suas 'intenções' desejam compartilhar com um fornecedor em particular (quem sabe até anonimamente); (3) uma maneira eficiente de interação entre fornecedores e tais clientes; e (4) talvez mais importante e complexo que os aspectos técnicos seja o desafio de implementar o 'salto cultural' de realmente colocar o cliente como responsável pela seu relacionamento com os fornecedores.

Um exemplo de como funcionaria o VRM em uma situação concreta, relatado pelo 'colega' Ethan Zuckermann:

Doc apresentou um exemplo específico: Eu estou chegando no aeroporto de Los Angeles no dia 28 de dezembro, e eu quero alugar um carro médio que toque CDs mp3. Quem tem o veículo que eu quero, e quanto irá custar? Primeiro: esta solicitação quebra o sistema de praticamente todas as empresas de aluguel de carro. Segundo: no paradigma atual, você como cliente é forçado a ir ao website de todas as empresas e repetir sua solicitação. Um mercado mais fluido permitiria que o cliente especificasse suas necessidades e esperasse para ver quem teria uma oferta a oferecer. A idéia por trás do VRM vai além do modelo onde a propriedade da informação no relacionamento negocial está toda do lado do fornecedor. É um avanço na direção da independência em relação a fornecedores. e da interação com eles com base em nossos próprios termos. Neste contexto, eu digo: "eu posso estar disposto a lhe dizer as características do carro que eu quero, mas a minha identidade e as informações sobre pagamento só estarão disponíveis depois que você fizer uma oferta".

Doc Searls, live, and not in the ceiling - My heart's in Accra
Legal, não? Quem se interessou, que dê um sinal aí nos comments... Seguimos conversando.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Steve Jobs propõe fim do DRM

Hoje pode ser considerado um dia histórico para a Ecologia Digital, e por isso não pude deixar de blogar neste bom e velho espaço de reflexões. Mesmo que não haja mais nenhum leitor por aqui, que sirva de registro.

Steve Jobs publicou hoje um manifesto ("Thoughts on Music") no site da Apple, onde sugere às gravadoras que se livrem do dispositivo de DRM ("Digital Rigths Management") que restringe o uso das músicas vendidas online. Pode causar espanto que o dono da companhia que mais lucra com o modelo de negócio -- através da dupla iTunes/iPod -- venha a público propor uma total virada nas regras do jogo. Mas quem acompanha as conversas por aqui sabe que já em 2004 estávamos reportando sobre o tema e apontando os mesmos argumentos:

...aí vai um trecho da apresentação do Cory Doctorow sobre DRM* na Microsoft(!). Difícil saber se ficção ou realidade (tem até áudio online), mas simplesmente super (veja a ótima tradução integral do Silvio Meira):

"Sistemas de DRM não funcionam Sistemas de DRM são quebrados em minutos, ou dias. Raramente, meses. Não porque as pessoas que os criam são estúpidas, e não porque as pessoas que os quebram sejam espertas. Não também porque existem falhas nos algoritmos. Ao final do dia, todos os sistemas DRM compartilham de uma mesma vulnerabilidade: provêem a seus agressores o texto cifrado, o código e a chave. Neste ponto, o segredo não é mais segredo."

DRM é ruim para a sociedade Aqui está a razão social porque DRM falha: promover a honestidade de um usuário honesto é como incentivar a altura de um usuário alto. Vendedores de DRM afirmam que sua tecnologia foi desenvolvida para ser uma defesa contra o usuário médio, e não gangues do crime organizado como os piratas ucranianos que desovam milhões de cópias de alta-qualidade. Não foi criado para ser uma defesa contra garotos sofisticados, ou contra qualquer um que saiba como editar seu registro, ou pressionar a tecla shift no momento certo, ou usar uma máquina de busca. Ao final do dia, o usuário de quem o DRM irá nos defender será o menos capaz no universo dos usuários." Cory Doctorow - Microsoft Research DRM talk.

De olho no 'Induce Act' - Ecologia Digital - 24/06/2004

Entre enrolações e justificativas, todas brilhantes, os "pensamentos sobre a música" de Jobs tangenciam muito dos pontos da Palestra de Cory Doctorow na Microsoft. Mas um fator importante para o movimento é também a pressão da UE sobre o modelo de negócio do ambiente iTunes/iPod baseado em DRM. De forma oportuna e genial Jobs passa a bola para as 'majors', que são as 4 grandes gravadoras que dominam o mercado mundial da música, e cuja maior parte do capital encontra-se na Europa. Vai ser interessante ver o desfecho desta partida.

Do lado de cá, mais específicamente em Recife e com a oportunidade característica dos projetos embalados pelo Ministério Gilberto Gil, acontece de 07 a 11/02 a Feira Música Brasil promovida pela Associação brasileira da Música Independente (ABMI) e pelo MinC. Gil está presente lançando o programa de Economia da Cultura, que será tema de um painel no evento, e adiantou:
“Esta feira é um projeto piloto. Vai permitir a integração do setor com os desdobramentos tecnológicos que estão impactando a música, tais como a Internet, o iPod e outros equipamentos. Esses momentos de transformação tecnológica são estratégicos, e a promoção desta feira é um ponto de referência e interação dessas duas coisas” frisou Gil
Lançada oficialmente a Feira Música Brasil 2007, promovida pelo Ministério da Cultura e BNDES - Site do BNDES
[Disclaimer: além de blogueiro editor deste Ecologia Digital, sou funcionário público e ocupo neste momento o cargo de Gerente de Informações Estratégicas do Ministério da Cultura]