Na rede

sexta-feira, setembro 30, 2016

Haddad, Uber, e o gestor público do século 21

O objetivo do post é colocar em foco notícia divulgada no último fim de semana — “Haddad revoga resolução sobre sigilo de dados de empresas de transporte” — , a qual pode ter passado desapercebida aos interessados em temas como economia digital, a chamada ‘sharing economy’ [economia do compartilhamento(?)], e também questões de privacidade de dados pessoais, assim como políticas de dados abertos e acesso à informação. A decisão do prefeito se insere na abordagem inovadora adotada por sua gestão na regulamentação dos ‘serviços de transportes individuais de passageiros via aplicativos’. Cabe reconhecer a habilidade da iniciativa em permitir a inovação no campo, mas tratando de impor limites. Destaca-se a firmeza em buscar garantir o mais importante: o compartilhamento das informações geradas pelo uso que os cidadãos fazem destes serviços, e que são coletadas por parte do Uber e afins.
O compartilhamento de dados é o coração da regulamentação. A ideia da gestão Haddad, que chegou a ser elogiada pela Uber, é cobrar R$ 0,10 a cada km rodado nos carros das empresas. Para fiscalizar isso, as empresas teriam de compartilhar seus dados, como número de motoristas, número de clientes, número de viagens feitas e quantidade de quilômetros rodados em cada viagem. As demais empresas do ramo já cadastradas — Cabify, EasyGo, 99POP e outras — estão cumprindo as regras, e fornecendo seus dados à Prefeitura. Só a Uber não.
Haddad diz que sigilo a dados da Uber e outras firmas é irregular e manda revogar resolução — Estadão
Seguindo um padrão global de atuação, o Uber utiliza o poder de fogo de seu volumoso capital de risco acumulado para tomar de assalto mercados estabelecidos. Faz parte de sua estratégia o cortejo a políticos e burocratas através de lobby agressivo, buscando influenciar iniciativas locais de regulação. A rápida expansão global do Uber vale-se da incapacidade dos gestores públicos em regular sua atuação e taxar devidamente os lucros aferidos. Menos evidente é o fato de seu modelo de negócio basear-se na operação de algoritmos sobre enormes bases de dados compostas por informações geradas pelos cidadãos na utilização que fazem destas plataformas. Por isso a relutância do Uber em abrir seus dados.
Em 2013 a Califórnia se tornou o primeiro estado dos EUA a aprovar uma regulamentação para o ‘ridesharing’ — lei cuja concepção contou com participação significativa do Uber. Entretanto, a participação no desenho da lei não evitou que a empresa tenha descumprido cláusulas que exigem o compartilhamento de alguns de seus dados com as bases de dados públicas. Dados como o número de viagens por código postal, a remuneração dos motoristas, além de informações sobre acidentes e o número de veículos adaptados para cadeirantes. Em 2016 o Uber foi obrigado a pagar multa de US$ 7.6 milhões para violar a lei estadual que exige o compartilhamento destes dados.
Is Uber the next big thing that goes kaput? This guy thinks so. — The Washington Post
Por estes e outros motivos, a capacidade de bem regulamentar serviços como o Uber pode ser considerada um diferencial para a avaliação de um gestor público contemporâneo. Neste aspecto, o processo conduzido pelo prefeito Fernando Haddad conta com reconhecimento internacional.
..o maior truque do Uber é convencer algumas das maiores cidades do mundo que, quando se trata de tráfego, ele não existe. Mas não pense que o município de São Paulo, Brasil, está entre os enganados. A metrópole conhecida por extensos engarrafamentos propôs recentemente um plano ousado, aparentemente sem precedentes, para o gerenciamento de Uber, Lyft, e outros serviços de transportes individuais de passageiros via aplicativos, os quais ameaçam, por um lado, entupir nossas ruas de carros, e por outro, dissuadir os funcionários públicos a fazer qualquer coisa para impedir que isto aconteça.
São Paulo Offers the Best Plan Yet for Dealing With Uber — CityLab
Em uma avaliação mais detalhada publicada no site do Banco Mundial, fica evidenciado o diferencial estratégico da proposta paulistana, referente ao compartilhamento de dados.
Este regulamento proposto para São Paulo constitui uma melhoria em relação à recente e pioneira regulamentação posta em prática na Cidade do México, que cobra uma taxa fixa de 1,5% por viagem de serviços de mobilidade compartilhados. A proposta confere à cidade maior flexibilidade na concepção e implementação de incentivos para as empresas transnacionais implantarem serviços que complementam os transportes públicos e os táxis em períodos fora de pico, particularmente em áreas pouco servidas e para as populações carentes. Além disso, o decreto exige que as empresas transnacionais forneçam para o município de São Paulo dados sobre origens de viagem e destinos, tempos, distâncias e trajetos, preço e avaliação do serviço. Estes dados, anonimizados, são de valor inestimável se fornecidos em tempo real e se a cidade tiver a capacidade de analisá-los para fazer uma melhor utilização da rede viária e dos serviços de transporte que regula. Felizmente, São Paulo estabeleceu um laboratório de análises de mobilidade urbana (Mobilab) com profissionais do transporte, computadores e cientistas de dados para esta tarefa.
Sao Paulo’s Innovative Proposal to Regulate Shared Mobility by Pricing Vehicle Use — The World Bank
Ao impedir a entrada em vigor de uma resolução burocrática municipal que flexibilizava as obrigações do Uber em compartilhar seus dados, conforme estabelecido em Decreto regulamentado através de consulta pública, o prefeito Haddad mais uma vez demonstra sua sensibilidade ao que realmente importa na questão.
Na resolução emitida, o município proíbe que informações como a quantidade de motoristas e veículos a serviço da Uber se tornem públicas. Haddad não quis emitir uma posição sobre o conteúdo do parecer a falou que a comissão competente vai avaliar tecnicamente a questão. “Aquilo que for sigilo do cidadão e a concorrência tem que ser preservados, todo o resto tem que ser liberado”, afirmou.
Comissão pulou uma etapa, diz Haddad sobre sigilos da Uber — IstoÉ
A criação da Comissão Municipal de Acesso à Informação como instância intersetorial competente para promover a política de dados abertos é instrumental como complemento à abordagem inovadora da gestão. ODecreto Nº 56.519, de 16/10/2015, que "estabelece procedimentos para garantir o direito de acesso à informação", é a base legal utilizada pelo prefeito para revogar a resolução golpista do Uber. Engenhoso!
A Comissão Municipal de Acesso à Informação (CMAI) foi criada por meio do decreto no. 53.623/2012, que regulamentou a Lei de Acesso à Informação no município de São Paulo. É formada pelos titulares de sete secretarias: Secretaria do Governo Municipal (SGM), Secretaria de Negócios Jurídicos (SNJ), Secretaria-Executiva de Comunicação (SECOM), Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico (SF), Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão (SEMPLA), Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) e Controladoria Geral do Município (CGM).
Comissão Municipal de Acesso à Informação — CMAI
É importante acompanhar a implementação da regulamentação proposta pela gestão do prefeito Fernando Haddad em São Paulo de modo a aferir seus resultados e consequências. Entretanto, já podemos afirmar que sua abordagem está em sintonia com o que se espera de um gestor público do século 21.
Como os usos da inteligência artificial seguem em acelerada expansão, a sociedade cada vez mais enfrentará questões e demandas em torno do poder que essas tecnologias podem e devem ter. À medida que avançamos para a regulamentação, precisamos questionar as narrativas oferecidas pelas empresas, e certificar-nos de que a política reflete a realidade.
The Mirage of the Marketplace: The disingenuous ways Uber hides behind its algorithm. — Slate

“Na sociedade em rede, os dados produzidos pelos cidadãos, ou em seu nome, são a força motriz da economia e da nação — o [Estado] tem a responsabilidade de tratar esta informação como precioso recurso nacional”

’SNIIC, uma plataforma para o século 21’

quinta-feira, agosto 04, 2016

Beijing ou Silicon Valley?

"Qual o sentido de se promover a inovação, se o resultado não é a construção de uma sociedade melhor?"
Um jovem empresário sueco é quem faz a pergunta, e conta sobre sua frustração com São Francisco e o Vale do Silício, e sua paixão por Beijing:
Assim como muitos jovens empresários, eu idolatrava Silicon Valley como uma visão utópica promovida por um grupo de experts em tecnologia, idealistas e bem-intencionados, que constroem as bases para uma sociedade justa e democrática. Entretanto, ao invés disso encontrei vaidade, mesquinhez e ganância.

Silicon Valley foi fortemente subsidiada para tornar-se um hub de inovação, e hoje é um lugar caro, mas muito bem financiado e com foco na execução de negócios de tecnologia. Não há nada de intrinsecamente errado com isso - boa tecnologia merece boa execução, e os investidores merecem ganhar dinheiro - mas é difícil não sonhar com o que poderia ter sido. E se Silicon Valley parasse de empregar algumas das maiores mentes do mundo para nos fazer clicar em anúncios, e em vez disso atendesse o chamado a desafios de ordem superior?

Eu me apaixonei por Beijing ainda no táxi do aeroporto. Pequim é uma mistura insana de história e futurismo... Não estou de nenhuma maneira afirmando que a China é uma sociedade mais justa do que os Estados Unidos, ou mais tecnologicamente avançada - está apenas se movendo claramente mais rápido. Mas você tem a imediata impressão de que em Beijing, a cidade está dedicada à arte de governar e ao futuro do seu povo, em vez do mais recente e revolucionário gadget. 

A Swede Returns to Silicon Valley from China - Nils Pihl
Para completar o clima de rivalidade do dia, o NYTimes traz matéria de Paul Mozur afirmando que a "China, e não Silicon Valley, está na ponta do desenvolvimento em tecnologias móveis". A mudança sugere que a China poderia ter uma maior influência nos rumos da indústria de tecnologia global. Hoje, mais pessoas usam dispositivos móveis para pagar suas contas, solicitar serviços, assistir a vídeos e encontrar datas na China do que em qualquer outro lugar do mundo. Os pagamentos móveis no país no ano passado superaram os EUA. Por outro lado, uma nova geração de bancos on-line informais chamados 'empréstimos P2P' opera volumes significativos.
Um aspecto a se destacar é que muitos chineses nunca compraram um computador pessoal, ou seja, smartphones são o principal - e muitas vezes o primeiro - dispositivo de computação para mais de 600 milhões de pessoas na China. Nos EUA, o cartão de crédito e o computador pessoal são tecnologias muito estabelecidas, que atrasam o salto mais completo para o mundo móvel dos smartphones.
Entretanto, o que o jovem sueco percebeu em Silicon Valley já vem sendo apontado por cidadãos norte-americanos: a indústria da tecnologia é moral e eticamente falida, e traz prejuízos concretos para os cidadãos comuns. Mesmo os líderes mais inspirados (e copiados, como Steve Jobs) internalizaram uma visão de mundo que coloca o sucesso e os lucros acima dos valores humanos.
...para muitos produtos do Vale do Silício, incluindo serviços como Uber e AirBnB, o objetivo agora é construir produtos capazes de surfar o hype global e alcançar avaliações multi-bilionárias - de preferência conquistando o máximo de mercado quanto possível, e, em seguida, usar essa posição para desenvolver práticas normalmente reservadas a monopólios e monopsônios (mercados onde há apenas um comprador).
O levante dos tecno-libertários: os 5 aspectos mais socialmente destrutivos do Vale do Silício - Richard Eskow
É possível que no futuro próximo Beijing (#BeiArea) copie Silicon Valley tão perfeitamente, que lá também os produtos de tecnologia tornem-se meros subprodutos de esquemas inovadores para se ganhar mais dinheiro, ao invés de ter um fim em si mesmos. Mas neste momento vale à pena observar se o modelo Chinês consegue se aproximar mais dos aspectos humanos que nos cabe defender no âmbito da ecologia digital.

terça-feira, agosto 02, 2016

Aos que choram pelo Yahoo!

Doc nos lembra que as principais vítimas da implosão do Yahoo, seus usuários, não merecem qualquer atenção da mídia especializada. Toda ênfase é colocada na venda para a Verizon, gigante telecom dos EUA, por US$ 4,8 bilhões, ou no que restou -- US$ 41 bilhões em participação na chinesa AliBaba, no Yahoo Japan e em um pequeno portfólio de patentes.
O subtítulo da matéria de Maya Kosoff na Vanity Fair, "Não chore pelo Yahoo", é indicativo: "Quando grandes empresas de tecnologia falham, têm apenas a si mesmas para culpar". A abordagem pressupõe que a única coisa que interessa no caso Yahoo para o público é a própria empresa, e Marissa Mayer, 'celebridade ex-Google' e CEO fatal da empresa. Ignora-se os milhões de usuários e clientes pagantes que confiaram em Yahoo para o seu e-mail, seus grupos, suas listas, suas fotos.
Como usuário do Flickr, estou mobilizado. Trata-se de serviço que teria considerável valor de mercado como uma empresa ou serviço autônomo, se o Yahoo não tivesse insistido em se livrar de namespace do Flickr para cada membro, substituindo pelo login Yahoo. 
Doc sintetiza apontando um fato que vem passando desapercebido na mídia: nenhuma empresa é mais importante do que o que ele faz para seus usuários e clientes. E de fato, não há quase nada na cobertura da crise do Yahoo a explorar essa dimensão óbvia -- aquilo pelo qual realmente devemos chorar em toda esta tragédia do Yahoo.
A matéria de David Gelles no NYTimes, "Yahoo e o Universo Online conforme a Verizon", traz outro subtítulo revelador: "Ao comprar o Yahoo, a Verizon está se preparando para o dia em que seus clientes mais importantes serão os anunciantes, e não os usuários". Gelles demonstra que o objetivo da compra é competir com Google e Facebook em publicidade digital, através do compartilhamento de dados sobre os seus clientes online com os anunciantes.
Em tempo: A falência do Flickr / Yahoo nos lembra o quanto estamos defasados em termos de uma política pública para a memória digital. São muitos os casos de instituições de memória que utilizam o Flickr para divulgar suas coleções de imagens, e vou mencionar aqui apenas dois ícones: a British Library (1.023.714 imagens) e a Nasa (com suas inúmeras contas). Entretanto, com tamanho risco colocado ao nosso direito à memória pelo atual cenário das plataformas digitais corporativas, políticas digitais de cultura não são do interesse do governo interino.
Linkania:



Uber desiste da China (!!!)

Apesar da intensa concorrência local, o mercado chinês era dos maiores para o Uber no número total de corridas. A operação chinesa era projeto pessoal do co-fundador Travis Kalanick, que viajava regularmente para o país e fazia discursos onde figurava jargão dos funcionários do Partido Comunista Chinês. Seu interesse foi reforçado por milhares de milhões de dólares em investimentos.
Mas na segunda-feira, o Uber, conhecido mundialmente por atos de competição impiedosa, acenou a bandeira branca. Em um forte sinal do quão difícil é para as empresas de tecnologia americanas prosperar na China, o Uber China anuncia a venda para a Didi Chuxing, seu rival local mais feroz.
Com o negócio, a empresa vai se juntar às fileiras de pares americanos, como Google e eBay, que foram incapazes de consolidar presença na China apesar dos investimentos e do foco aplicados. O EBay foi atropelado pelo Alibaba, enquanto o Google deixou a China após ver-se alvo de ataques cibernéticos patrocinados pelo governo.
Ainda assim, o negócio está longe de ser uma catástrofe financeira para o Uber, que por cerca de US $ 2 bilhões em investimentos no mercado chinês recebe uma parte de $ 7 bilhões em uma empresa que deve crescer. Dessa forma, o Uber economiza recursos para competir em outros projetos.
Em tempo: À salvo de políticas neoliberais desregulamentadoras e concentradoras, a China é "ironicamente o país que mais se desenvolveu nas últimas décadas e que melhor resistiu à crise". Logo a China, que tem o que a The Economist chama de “capital confinado”.
Veja:



segunda-feira, junho 13, 2016

Tecnologias apresentadas na "Cúpula da Web Descentralizada"

Versão original de Mouse Reeveem inglês
Tradução Livre: José Murilo
decentralizedWeb

O Internet Archive sediou
 nos dias 8 e 9 de junho de 2016, em San Francisco, a 7ª  Cúpula da Web Descentralizada. Mais informações e vídeos completos das apresentações estão disponíveis em decentralizedweb.net (recomendável!!).

Por que uma web descentralizada?

A visão central de uma web descentralizada é a de uma rede que respeite a privacidade e os dados dos usuários, que possua modelos de financiamento além dos anúncios, que opere o auto-arquivamento (bases descentralizadas), e que não possa ser censurada ou derrubada.
Toda a tecnologia tem seu aspecto político, e reflete os valores humanos nas funcionalidades que implementam. A realização de uma web descentralizada está na possibilidade de desenvolvermos tecnologias pensadas em torno desses valores humanos, capazes de empoderar vozes marginalizadas, e reforçar a liberdade de expressão e as manifestações da diversidade cultural global.

Quem está fazendo o que
:
Esta é uma pequena amostra das pessoas e ferramentas que trabalham para re-descentralizar a Web, e que se apresentaram na Cúpula. A compilação foi feita por MOUSE REEVE. Leia mais artigos desta autora que se chama 'mouse'. https://www.mousereeve.com

Webs Descentralizadas
  • ZeroNet
    Representada por Tamas Kocsis
    ZeroNet é uma web peer-to-peer desenvolvida com base no blockchain do Bitcoin para endereçamento e identidade, e Namecoin para domínios .bit. Ele também tem suporte para uso de Tor.
  • Freenet
    Representado por Michael Grube
    Freenet é uma rede destinada a ativistas e pessoas que vivem em regimes repressivos. Ele usa uma rede de confiança em modo de alta segurança, o que permite que os usuários da rede tornem-se efetivamente indetectáveis.
  • MaidSafe
    Representado por Paige Peterson
    A rede segura MaidSafe é uma infraestrutura descentralizada para web e aplicações, que deverá ser lançada em breve, e foi desenvolvida sobre a sua própria blockchain Safecoin, que premia os usuários por participar da rede.
Armazenamento de Dados e Compartilhamento
  • WebTorrent
    Representado por Feross Aboukhadijeh
    WebTorrent é uma aplicação de torrent no navegador, que funciona sem que os usuários precisem instalar nada extra.
  • Projeto Dat
    Representado por Karissa McKelvey e Max Ogden
    Dat é um arranjo para armazenamento público de dados baseado em torrent, com controle de versão, e compartilhamento destinado a cientistas, ou qualquer outra pessoa que possua dados.
  • Tahoe-LAFS
    Representado por Brain Warner e Zooko Wilcox
    Tahoe-LAFS (Least Autoritário armazenamento de arquivos) é um sistema de armazenamento de arquivo privado, criptografado que descentraliza dados entre vários servidores.
Infra-estrutura Blockchain 
  • IPFS
    Representado por Juan Benet e David Dias
    IPFS ou Estrutura de Arquivo InterPlanetária, é um sistema de armazenamento de arquivos distribuído que visa substituir o HTTP. Tanto o Internet Archive como o Neocities Internet têm implementações de IPFS para servir conteúdo web.
  • Ethereum
    Representada pelo Dr. Gavin Wood
    Wood descreveu o Ethereum como "uma resposta distribuída para o HTTP POST" - é uma plataforma baseada em blockcahin para o desenvolvimento de descentralizado de apps.
  • Urbit
    Representado por Galen Wolfe-Pauly
    Urbit é um sistema operacional para um servidor pessoal que funciona como uma identidade digital e plataforma de aplicações.
  • Blockstack
    Representado por Muneeb Ali
    Blockstack é uma platoforma para o desenvolvimento de applicações com DNS descentralizado embutido.
  • Althea Mesh
    Representado por Jehan Tremback
    Althea é um sistema proposto para fornecer conectividade de internet peer-to-peer através de transmissores de telhado habilitados via blockchain.
  • Namecoin
    Representada por Jeremy Rand
    Namecoin é uma substituição para o sistema de nome de domínio existente que registra as identidades em um blockchain, ao invés de uma autoridade DNS centralizada.
  • Zcash
    Representado por Zooko Wilcox
    Zcash é um criptomoeda desenvolvida para prover privacidade total - em sistemas existentes como bitcoin, todas as transações são públicas e rastreáveis. Zcash criptografa as transações de modo a que possam ser validadas, enquanto ainda privadas.
  • Backfeed
    Representado por Primavera De Filippi
    Backfeed é uma tecnologia para permitir uma governança descentralizada e de propriedade do usuário para gerenciamento de reputação de uma comunidade. Seus casos de uso incluem compartilhamento de carona, seguros, e qualquer operação que tenha como requisito a cooperação entre um grande grupo de pessoas.
  • Matrix
    Representado por Matthew Hodgson
    Matrix é uma plataforma de comunicação que pode se integrar com ferramentas de chat existentes como o Slack. Eles acabaram de lançar um cliente com foco em usabilidade, Vector.
  • Jolocom
    Representado por Joachim Lohkamp
    Jolocom lida com 'dados sociais interligados', tudo, desde o histórico de saúde de uma pessoa, até seus extratos bancários, e sua atividade de mídia social, que são apropriados, controlados e gerenciados pelo indivíduo.
  • Interledger
    Representada por Evan Schwartz
    Interledger interliga cryptomoedas díspares e sistemas financeiros.

sábado, dezembro 28, 2013

Aplicações de Cultura Participativa no CulturaDigital.BR


A plataforma CulturaDigital.BR, lançada em 2009 pelo Ministério da Cultura em parceria com a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), foi a primeira plataforma de rede social aberta lançada por um governo no mundo. Em sua proposta original, lançou o slogan “Um novo jeito de fazer política pública”. Implementada com funcionalidades típicas das redes sociais, como perfil integrado de usuário, grupos e fóruns, ofereceu também aos usuários a possibilidade de criação de blogs WordPress customizáveis. 

A proposta era basicamente inaugurar um novo modelo de diálogo do estado com a sociedade, explorando o uso de interfaces digitais e dos novos modos de interação em rede, os quais a população brasileira vinha experimentando intensamente desde a aparição do fenômeno ‘Orkut. O plano de realizar este exercício de diálogo aberto em 2009, à partir de uma iniciativa pública baseada em software livre, e orientada para a construção colaborativa de políticas públicas, foi menção honrosa do prêmio ‘Ars Electronica, o ‘Oscar da Internet’, em 2010.

Em sua história desde então, a plataforma CulturaDigital.Br foi suporte para dois memoráveis processos de consulta pública no Brasil, realizados pela primeira vez de forma aberta e participativa, e utilizando funcionalidades interativas da web 2.0: (1) O processo de construção do Marco Civil da Internet (2009-2012); e a (2) Consulta Pública da Lei de Direito Autoral (2010).

As consultas públicas no país, até aquele momento, funcionavam apenas como uma apresentação da proposta legislativa, e a participação era restrita ao envio de comentários e sugestões por emails, os quais não chegavam a ser conhecidos pelos participantes do processo. A falta de transparência resultava em desestímulo à participação, esvaziando assim o potencial deste importante canal de diálogo estado-sociedade.

Fiel a esta origem e trajetória, a plataforma CulturaDigital.BR segue inovando na disponibilização de ferramentas que exploram a cultura participativa ao fomentar a conversa em rede, a construção colaborativa de consensos, e a documentação de processos participativos online. Seguimos utilizando a tecnologia WordPress, que apresenta através da customização de ‘temas’ e ‘plugins’, a possibilidade de se criar plataformas de articulação em rede com base em instalações de blogs hospedados no CulturaDigital.BR.

Veja mais: http://culturadigital.br/plataformascolaborativas/

1) Consultas Públicas

A aplicação “Consultas Públicas”, formatada como um ‘tema’ para WordPress, oferece um conjunto de ferramentas para pesssoas ou instituições interessadas em operacionalizar uma consulta pública pela internet.

Suas funcionalidades incluem um 'tema' completo,capaz de publicar blog configurado para realizar consultas sobre um ou mais 'objetos'. Amplamente customizável, a aplicação é capaz de apresentar avaliações quantitativas e qualitativas da consulta em curso, com opções para o tratamento dos resultados.

2) Delibera - Democracia Online

A aplicação “Delibera”, apresentada como um 'plugin' (módulo) a ser adicionado a uma instalação WordPress, tem a capacidade de configurar uma plataforma virtual interativa. Facilita a construção de um conjunto de ambientes que poderão ser utilizados por gestores e servidores para proporcionar novas formas de participação a serem apropriadas pela cidadania.

A aplicação tem por objetivo promover a documentação e a contextualização de processos de debate e reflexão distribuídos em rede, facilitando o acesso do cidadão interessado às formas de incidir nas políticas públicas do governo brasileiro. As funcionalidades do Delibera abrangem uma variedade de recursos online, incluindo ferramentas de comunicação e interação, fóruns de debate, salas de bate papo, vídeos, mapas, mecanismos de consulta, dentre outros.

3) Cartografias Colaborativas

Em desenvolvimento. Saiba mais sobre 'Cartografias Colaborativas'.

quinta-feira, novembro 28, 2013

O desafio dos acervos digitais

Em abril deste ano (2013), uma grande novidade aconteceu no setor dos acervos digitais: foi lançada a Biblioteca Digital Pública Americana (Digital Public Library of America - DPLA). A iniciativa visa: "disponibilizar os acervos de bibliotecas de pesquisa, arquivos e museus da América de forma online e gratuita para todos os americanos — e consequentemente para todo o mundo".

A plataforma digital norte-americana vem se juntar a outras iniciativas semelhantes como a Biblioteca Europeana, que reúne acervos de bibliotecas, arquivos e museus dos países membros da União Européia em 27 línguas e os projetos no âmbito do Programa Discovery britânico. Estas exepriências foram apresentadas no “Seminário Internacional Sistemas de Informação e Acervos Digitais de Cultura”, realizado pela Secretaria de Políticas Culturais em março/2013 no auditório da Biblioteca Brasiliana-USP.

Os países mais avançados no setor estão neste momento definindo os padrões e protocolos que irão permitir a interoperabilidade entre os diversos repositórios digitais, e também fomentando a participação da sociedade na criação de novas modalidades de acesso e de usos inovadores sobre os objetos digitais disponibilizados. Temos acompanhado os últimos acontecimentos do setor, que destacam a importância da formulação de uma política nacional de acervos digitais, que tenha características de uma política de Estado, e possa garantir a perenidade de equipes e equipamentos.

O desenho dessa política deve contemplar o compartilhamento de recursos, especialmente os de infra-estrutura tecnológica (plataformas de disponibilização e armazenamento de dados), mas também os recursos humanos especializados, nas diversas etapas que envolvem digitalização, catalogação e disponibilização de conteúdos digitais. É importante lembrar que não bastará somente digitalizar os acervos -- o aporte constante de recursos é vital para a preservação dos conteúdos online.

Os principais parceiros nesta empreitada têm sido a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) e a Biblioteca Brasiliana-USP, com quem em 2010 realizamos o ‘Simpósio Internacional de Políticas Públicas para Acervos Digitais’. Nos anos 2011/12, os projetos do setor de cultura digital do MinC deixaram de contar com o apoio necessário para avançar de maneira significativa. Neste período, a articulação do setor progrediu com a criação da Rede Memorial -- a Rede nacional das instituições comprometidas com políticas de digitalização dos acervos memoriais do Brasil, criada à partir do esforço de aproximação das instituições memoriais em busca de soluções compartilhadas para problemas comuns.

A Rede Memorial nasce tendo por base uma carta de princípios para sustentar uma política de digitalização dos acervos memoriais e de procedimentos para a conformação de um espaço colaborativo de trabalho. A "Carta do Recife" estabelece 6 princípios fundamentais:
  1. Compromisso com acesso aberto (público e gratuito)
  2. Compromisso com o compartilhamento das informações e da tecnologia
  3. Compromisso com a acessibilidade
  4. Padrões de captura e de tratamento de imagens
  5. Padrões de metadados e de arquitetura da informação dos repositórios digitais
  6. Padrões e normas de preservação digital
No 2º semestre de 2012, à partir da cooperação internacional “Diálogos Setoriais Brasil-UE” e do processo de implementação do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais - SNIIC, retomamos a reflexão no sentido de desenvolver uma proposta abrangente para o setor de acervos. À partir da realização do Seminário Internacional em março deste ano, que contou também com a presença engajada de representantes do Arquivo Nacional (MJ) e do BNDES, temos como objetivo prioritário articular e promover a visão comum que pode resultar em um Programa Nacional sustentável para os acervos digitais brasileiros.

sexta-feira, junho 14, 2013

PRISM: Bem vindo ao Futuro! Como lidar?

"O futuro já chegou,
só não está igualmente distribuído"

William Gibson


Tinha que ser blogueiro, um norte-americano que mora na Gávea (RJ), para dar esse furo. As matérias do colega Glenn Greenwald no jornal inglês 'The Guardian', divulgando informações vazadas pelo 'herói / traidor / etc.' Edward Snowden, após a escapada deste para Hong Kong(!), caíram como uma bomba atômica na rede global. Glenn contou que a agência de segurança NSA teria obtido acesso aos servidores das grande empresas de internet para monitorar o comportamento de usuários do mundo inteiro nos serviços associados a essas empresas. O programa é conhecido como PRISM.

Diante deste fantástico enredo cibernético global, estaríamos nós em condições de despertar os internautas de sua inocência em relação à fundamental questão que é a privacidade dos dados pessoais na rede? Desde que se estabeleceu a onda das mídias sociais (2005/6, com o Orkut), e mais recentemente com a febre dos smartphones (à partir de 2010), os internautas vêm intensificando seus hábitos de despudoradamente compartilhar a qualquer momento, de qualquer lugar, e em diferentes graus de abertura, todo tipo de informação pessoal na Internet.

Entre os especialistas sempre aconteceu o debate sobre os riscos inerentes a tal procedimento, mas os alertas não chegaram a mobilizar os usuários de maneira significativa -- assim como a proposta do MJ de debate no tema, em 2010. Fato é que a cultura do compartilhamento de informações na rede está criando uma nova configuração de sociedade, trazendo inovações preciosas para a economia e a política. Mas é certo que estamos diante de questões sérias, que envolvem arquitetura e regulação, e que estão a exigir uma reflexão mais aprofundada.

As revelações de Snowden tornaram possível uma percepção coletiva global sobre os riscos, e uma descrição verossímil dos abusos que o governo norte-americano realiza através de sua agência de segurança, a NSA, com o auxílio das empresas globais de Internet sediadas em seu território. Nove empresas são citadas de maneira específica: Microsoft, Yahoo, Google, Facebook, PalTalk, AOL, Skype, YouTube, Apple.

As reações destas empresas ao escândalo têm sido de negar, de maneira uniforme, o acesso direto a seus servidores de dados. O Google tem sido enfático em demandar maior transparência do governo norte-americano sobre o processo de solicitação de dados de usuários. Os comentários de Obama sobre o vazamento, tranquilizando seus eleitores ("PRISM does not apply to US citizens" :-| ), não ajudaram muito no cenário global. Assim como não ajuda o fato das próprias empresas, por força de lei, serem proibidas de comentar publicamente os procedimentos.

Enquanto isso, o mundo reage: (1) parlamentares europeus de diferentes partidos demandam esclarecimentos em discursos furiosos; (2) nas vésperas de uma visita oficial de Obama, políticos alemães comparam a NSA ao antigo Stasi (Ministério da Segurança) da Alemanha Oriental; (3) governo da India deve exigir a instalação de servidores locais no caso de serviços como Google e Facebook; (4) a Suécia acaba de proibir o setor público de utilizar Google Apps; (5) o Japão se apressa em construir programa semelhante ao NSA/PRISM; e na China, (6) o governo se considera merecedor de uma explicação dos EUA, especialmente pelas anteriores acusações de ciberataques. Entretanto, os chineses agirão com cautela, ainda mais pelo fato de terem ficado com o informante como prêmio inesperado.

Diante do impacto, cabeças falantes da rede se manifestam propondo soluções e alternativas: (1) Kim Dotcom, o conhecido alemão/finlandês dono do Megaupload, sugere que a União Européia financie uma alternativa PRISME-free ao Google; 2) americanos liberais retomam à idéia de disponibilizar criptrografia avançada para o público; 3) o 'Action-Center' da 'Electronic Frontier Foundation' lança o 'prism-break.org', site que oferece alternativas livres para softwares e serviços proprietários comprometidos com o governo norte-americano; e, 'last but not least', 4) ingleses insultados propõem que governos olhem a crise como uma oportunidade, utilizando a invasão de privacidade como pretexto para proteger e incentivar suas pouco competitivas infraestruturas digitais locais.

Esta última receita é tentadora:
  1. Declare indignação com a intromissão indevida de PRISM na privacidade de seus cidadãos, configurando "quebra de confiança";
  2. Introduza uma legislação nacional proibindo temporariamente a atuação dos grandes serviços de internet dos EUA, anulando qualquer obrigação contida em acordos comerciais com base na "quebra de confiança";
  3. Forme um fundo de financiamento (Venture Capital) de 100 bilhões de euros (!!) como capital inicial para a construção de serviços equivalentes, desenvolvendo capacidade tecnológica própria, baseada em open source, e com foco no incentivo a start-ups;
  4. Fortaleça as leis de proteção de dados e altere as regras da propriedade corporativa garantindo assim que a infraestrutura crítica de computação e comunicação (em oposição a bens e serviços oferecidos no mercado) seja de propriedade de empresas sediadas localmente; e
  5. Uma vez que todos os serviços locais tenham crescido em escala suficiente para competir com os equivalentes americanos, podemos relaxar a proibição e as regras de transição, de forma que as indústrias locais possam então expandir para o exterior.
A execução de tal idéia não está em nosso horizonte próximo, mas cabe à nós realizar o exercício de refletir como uma política pública nacional poderia responder a esta abalo sísmico no ecossistema digital global. Afinal de contas, há muito pouca coisa que iremos realizar no futuro sem contar de alguma forma com esta infra-estrutura chamada Internet. E como diria William Gibson, citado no início do post, o futuro já está aí. É nosso desafio decifrar os sinais, e trabalhar em prol de um futuro onde liberdade e autonomia estejam melhor distribuídos entre todos os habitantes do planeta.

Em tempo: "Governo brasileiro se diz preocupado com monitoramento" e "Differing Views on Privacy Shape Europe's Response to U.S. Surveillance Program"

quarta-feira, março 27, 2013

Revolução na TI de governo: de TICs para Digital (não estamos NA web, somos DA web)


Após ter participado do processo do Diálogos Setoriais – cooperação internacional com a União Européia – e ter recepcionado os colegas do JISC (Londres) e do MIMAS (Manchester) para o Seminário Internacional Sistemas de Informação e Acervos Digitais de Cultura, foi inevitável a minha tendência em observar como os britânicos estão lidando com os desafios que o mundo digital apresenta para os projetos de governo que envolvem o uso de tecnologia.

No caso da digitalização dos acervos de bibliotecas, acervos e museus, que é sem dúvida um enorme desafio de tecnologia, mas que por outro lado envolve outros desafios, entre políticos e institucionais, os quais necessariamente devem ser 'iluminados' pela perspectiva digital, temos uma grande encrenca. Estou certo de que atualmente é IMPOSSÍVEL para qualquer área de TI de governo no Brasil, seja em ministérios e / ou unidades vinculadas, agências, ou mesmo empresas públicas de processamento de dados, encarar o desafio dos acervos digitais com a devida propriedade.

Projetos como o SNIIC e o registro unificado de obras, que surgem à partir da abordagem do 'Governo como Plataforma', com forte ênfase na dimensão dos Dados Abertos (#opendata) e dos Serviços Digitais públicos, enfrentam grande dificuldade de 'contratação' e implementação. O modelo de funcionamento proposto para as TICs no governo seguem baseadas no modelo de terceirização, e as equipes alocadas nestes setores são cada vez mais especializadas em processos licitatórios, e cada vez menos dedicadas à acompanhar a evolução furiosa dos desafios que o paradigma digital apresenta para a inovação tecnológica no estado.

Durante as visitas à Londres e Manchester no ano passado, e no Discovery Summit em fevereiro deste ano, assim como nas conversas que tivemos com os parceiros internacionais em São Paulo durante o Seminário na Brasiliana-USP semana passada, impressionou a disposição das iniciativas do governo inglês em se atualizar constantemente frente ao mundo digital. Especialmente agora, no cenário de cortes de recursos para os programas de governo em função da crise européia, o foco na racionalização de esforços atinge seu ponto máximo, e as iniciativas resultantes apresentam aspectos inovadores interessantes.

Não pude deixar de notar o post da semana passada do Mike Bracken, ex-Diretor de Desenvolvimento Digital do Guardian, e que se juntou ao governo britânico em 2011 para formar o GDS (Government Digital Service), tornando-se Diretor-Executivo do Serviço Digital de Governo. O GDS fica no Cabinet Office, algo assim como a Casa Civil no Brasil, posicionado no centro do governo com o objetivo de fazê-lo funcionar melhor. No blog do GDS (em WordPress :-), de onde Mike dispara suas reflexões e comandos (com um vídeo semanal no youtube), me chamou a atenção o anúncio sob o inspirado título: "Da web, não na web" ("Of the web, not on the web"):
"Hoje anunciamos algumas pequenas mas importantes mudanças na governança da TI. O detalhamento se encontra aqui, mas o resultado concreto é o seguinte: nós não teremos mais um Diretor-Geral de Informação (Chief Information Officer - CIO) para o governo como um todo, e também não teremos mais um Superintendente para Carreiras de TICs (Head of Profession for ICTs). Estamos migrando a responsabilidade por esses recursos para o Serviço Digital de Governo (Government Digital Service), e encerrando as atividades de algumas comissões inter-governamentais em diversos temas relativos à tecnologia, ao tempo em que iremos rever a atuação das demais instâncias relacionadas ao tema a fim de ter certeza de que os novos arranjos serão criados de forma tão eficiente quanto possível."
Buscando conhecer um pouco mais sobre os antecedentes desta mudança "de TICs para Digital", que considero extremamente bem sacada, encontrei um interessante relatório que parecer ter sido o grande impulso para a mudança anunciada. O relatório "TI e Governo - 'uma receita para o sobrefaturamento' - tempo para uma nova abordagem" ('Government and IT — “a recipe for rip-offs”: time for a new approach'), documento do Comitê Seleto de Administração Pública do Parlamento Britânico (House of Commons), avalia os relatos sobre o desempenho do serviço público, e reporta sobre o período 2010-2012. 
"A Tecnologia da Informação (TI) desempenha papel fundamental na prestação de serviços públicos. No entanto, apesar de algumas de iniciativas de sucesso, o registro geral do governo no desenvolvimento e implementação de novos sistemas de TI é terrível. A falta de habilidades específicas de TI no governo e o excesso de confiança no modelo de terceirização resultaram em um problema fundamental, que tem sido descrito como "uma receita para o sobrefaturamento". 
O modelo de aquisição externa de serviços de TI tem geralmente resultado em atraso nas entregas, na quebra dos orçamentos previstos, e no desenvolvimento de soluções que não atendem às expectativas. Em vista dos cortes necessários em resposta ao déficit fiscal, é ridículo que alguns departamentos gast3m uma média de £ 3.500 (R$ 10.600) em um PC desktop. Este Governo, como muitos antes dele, tem um ambicioso programa destinado a reformar o modelo de gestão de TI. Este relatório estabelece os elementos que o Governo deve contemplar para que estas reformas obtenham sucesso onde as tentativas anteriores fracassaram."

Movendo-se de TICs para Digital

Em relação aos resultados do relatório sobre a TI no governo britânico, é quase óbvia a correlação que identificamos com o cenário aqui no Brasil. No momento em que estamos concebendo serviços digitais públicos de grande envergadura, como é o caso do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC), do Registro Unificado de Obras Intelectuais, e também do arranjo complexo que envolve a digitalização e disponibilização de acervos culturais de diversas instituições públicas (bibliotecas, arquivos e museus), fica claro o absoluto despreparo do modelo de gestão TI do governo brasileiro para dar conta dos desafios deste tempo.

No presente contexto local, onde temos clareza sobre a demanda mas nenhuma perspectiva sobre como encaminhar as soluções, a decisão arrojada do governo britânico de mover-se de TICs para o Digital, para nós faz todo o sentido. O ponto central é: precisamos reunir novas capacidades, não necessariamente ligadas à tecnologia, e estabelecer como conceito aglutinador de todo o processo a prestação de serviços digitais aos cidadãos. Tais serviços exigirão o uso de infraestruturas compartilhadas entre os diversos setores de governo, e somente uma reflexão transversal sobre os desafios colocados pelo paradigma do ecossistema digital pode dar conta do serviço. O blog do GDS vai direto no ponto:
"À medida em que nos afastamos de uma abordagem de grandes aquisições no mercado de tecnologia, em direção ao modelo de delegação de responsabilidade (commissioning) e co-entrega de serviços públicos digitais (infraestrutura compartilhada), nosso perfil de capacidades precisa mudar técnica e culturalmente. Nos últimos meses, na GDS e em outros departamentos, estamos contratando e responsabilizando novos atores, com novos papéis, incluíndo novas capacidades:
  • cientistas de dados 
  • arquitetos da informação
  • arquitetos de aplicações e serviços
  • gerentes de produto
  • gerentes de serviços
  • engenheiros de software
  • designers de todos os tipos
  • especialistas na experiência do usuário
  • gerentes de entrega e teste"
O movimento é absolutamente pertinente com a reflexão provocada pelo advento da Coordenação-Geral de Cultura Digital do MinC (2009-2013), e pelos constrangimentos que o modelo de funcionamento da TI.gov.br apresenta para projetos nativos do meio digital. Mas para que a re-engenharia institucional proposta pelos britânicos dê certo, e para que as novas capacidades reunidas possam operar todo o seu potencial, as pessoas e organizações "devem estar impregnadas pela cultura e pelo ethos da geração web" -- a clara compreensão de que o que costumava ser difícil tornou-se mais fácil, e o que costumava ser caro tornou-se barato. Acima de tudo, é importante disseminar o entendimento de que "o principal desafio agora não está na dimensão da tecnologia da informação, e sim na concepção (desenho), desenvolvimento e implementação de excepcionais serviços digitais públicos centrados no usuário".

Vamos acompanhar de perto este movimento dos ingleses, pois entendemos que as diretrizes colocadas estão em absoluta sintonia com os avanços que julgamos necessários, neste exato momento, no cenário da TI governamental em nosso país. Não há tempo a perder.

sexta-feira, março 08, 2013

Sobre o ‘Seminário Internacional Sistemas de Informação e Acervos Digitais de Cultura’

À partir da oportunidade criada pelo projeto de cooperação internacional "Diálogos Setoriais UE-Brasil", temos realizado conversas importantes com iniciativas que (1) implementam sistemas públicos de informação em cultura, e (2) disponibilizam acesso a acervos digitais de bibliotecas, arquivos e museus. Na próxima semana, de 11 a 13 de março de 2013, no Auditório István Jancsó da Biblioteca Mindlin-USP (Brasiliana-USP), a Secretaria de Políticas Culturais do MinC realiza o Seminário Internacional Sistemas de Informação e Acervos Digitais de Cultura.

No momento em que, no âmbito da realização do Plano Nacional de Cultura, implementamos o SNIIC, Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais, é extremamente oportuno explorar as possibilidades que plataformas digitais públicas podem oferecer para o acesso qualificado às informações culturais. Ao abranger nesta reflexão a questão do acesso integrado aos acervos em processo de digitalização nas diversas instituições que integram o Sistema MinC, e neste caso falamos de Biblioteca Nacional, Cinemateca Brasileira, Funarte e Museus, entre outros, criamos a possibilidade de formular um plano nacional para acervos digitais. 

O tema é da maior importância para todos que se preocupam com a memória nacional (preservação), com o acesso à cultura em meio digital (democratização), e com a presença qualificada dos conteúdos do património cultural da língua portuguesa na rede mundial. Diagnósticos vários e recentes apontam o elevado grau de fragmentação dos repositórios digitais em universidades e em outras organizações que lidam com conhecimento em todo o mundo. Da mesma forma, no campo dos acervos culturais, as políticas públicas ainda não avançaram no sentido de prover a necessária articulação e sustentabilidade aos projetos de digitalização em curso.

O ambiente digital, em suas muitas virtudes, proporciona grande vantagem para a ação pactuada, colaborativa. Não por acaso, a Internet fundamenta todo o seu funcionamento em protocolos, que são em última instância acordos básicos de co-operação. Cabe à nós, sempre que possível, buscar o alinhamento de nossas políticas públicas digitais à esta lógica suprema da rede -- o acordo e a transparência, que geram a confiança (trust) entre os pares. Em nosso caso específico, o campo dos acervos digitais de cultura, teremos muitas vantagens se conseguirmos articular visão e estratégias comuns entre as diversas instituições mantenedoras de coleções culturais. Podemos até dizer que não há outra forma de promover um Programa Nacional sustentável para acervos digitais se não compartilharmos recursos, principalmente de infra-estrutura tecnológica, mas também de pessoal especializado nas diversas etapas que envolvem digitalização e disponibilização de conteúdos digitais. 

Em importante evento recente do setor (Discovery Summit 2013), reuniram-se em Londres representantes de todos os grandes projetos de bibliotecas digitais no mundo. O programa Discovery ('um ecossistema de metadados') representa uma sofisticada articulação técnico-institucional promovida pelo JISC, instituição responsável por infra-estrutura para ensino e pesquisa e para acervos digitais no Reino Unido. Representados no evento estavam projetos globais como a Biblioteca Europeana e a DPLA (Digital Public LIbrary of America), e também iniciativas de articulação como a OCLC (Online Computer Library Center), que apresentaram suas premissas técnicas e institucionais para avançar no desafio da interoperabilidade dos diversos repositórios. Ficou muito clara a necessidade de uma articulação global em torno de padrões abertos ('open data'), que no caso dos acervos são metadados abertos ('open metadata', linked open data), e soluções compartilhadas para instituições mantenedoras de acervos.

Para quem acompanha de perto estas discussões nos últimos anos, foi interessante perceber em Londres o deslocamento no discurso técnico ocorrido recentemente. Antes, estávamos todos em busca do protocolo único, da arquitetura de informação mais adequada, ou da plataforma que poderia idealmente agregar todos os conteúdos. Ao constatar-mos que os grandes projetos globais de bibliotecas digitais agora colocam a ênfase da interoperabilidade de acervos em tecnologias como 'open metadata' e 'linked open data', podemos identificar um processo positivo, virtuoso e significativo.

Para ilustrar, é como se movêssemos a autoridade do processo de qualificação dos metadados dos conteúdos diversos, do interior das instituições / empresas e seus sistemas, para o ambiente aberto da web, dessa forma facilitando a adaptação de diferentes modalidades de catalogação e modelos de metadados, assim como o desenvolvimento de diversos 'plugs' de software (APIs). O desafio agora seria estruturar as informações presentes neste "oceano web" definindo e delimitando representações de conhecimento (ontologias) que possam atuar de maneira a auxiliar no processo de transição da informação propriamente descrita em conhecimento a ser acessado. Especialistas confirmam que a tecnologia 'linked data' traz um cenário completamente novo para a interoperabilidade de repositórios com lógicas distintas de catalogação (ou 'descrição de recursos', me corrige um colega bibliotecário), como é o caso de bibliotecas, arquivos e museus.

Esta novidade no aspecto técnico é uma boa notícia para nós brasileiros envolvidos no desafio dos acervos digitais de cultura. Significa que a partir de agora podemos elaborar iniciativas transversais com maior clareza técnica, respeitando as especificidades dos diferentes domínios de catalogação, e promovendo a integração dos acervos com base em padrões que estão em processo de tornar-se consenso na comunidade internacional. É importante para o setor de acervos digitais, neste momento, identificar quais as demandas do novo cenário, que novos arranjos de governança se fazem necessários, e paralelamente, cabe a nós (.gov) agora dimensionar a concentração de recursos bastante para a primeira etapa de um Programa de fato estruturante para o setor.

O Seminário Internacional sobre Sistemas de Informação e Acervos Digitais de Cultura, fruto deste 'diálogo setorial' com a União Europeia, busca cumprir este papel de apresentação do que foi prospectado no âmbito da cooperação internacional. Ao reunir os especialistas do setor no país, tem como objetivo também promover a reflexão conjunta sobre os novos elementos técnicos inseridos no campo, e como tais elementos podem se tornar objeto de novas iniciativas de cooperação. Além disso, almeja refletir sobre arranjos institucionais adequados à necessária sustentabilidade que projetos de conteúdos digitais devem garantir, apresentando como referência a experiência do JISC no Reino Unido.

O evento conta também com uma apresentação do capítulo das 'Limitações e Exceções' da nova Lei de Direito Autoral, a ser realizada pelo Diretor de Direito Intelectual do MinC, Sr. Marcos Souza. Trata-se de questão fundamental, pois não adianta avançarmos no tema da digitalização de acervos sem contar com um marco regulatório adequado às demandas básicas do ambiente digital.

Pelo fato de depositarmos grande esperança nos bons resultados desta conversa especializada, contamos com a presença de todos os interessados, seja de maneira presencial no Auditório István Jancsó da Biblioteca Mindlin-USP, em São Paulo, ou remotamente através de streaming de vídeo. Esperamos que as informações e os debates trazidos pelo evento sirvam de impulso às articulações necessárias em torno de uma verdadeira política nacional para os acervos digitais.